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segunda-feira, 15 de abril de 2013

As Operações de Produção de Textos


[...]o reconto oral, na perspectiva de ensino colocada, é um recurso para ensino da linguagem escrita, e não oral: reconta-se, tal “tal como escrito no livro”, “como se estivesse lendo”, ou seja, o foco é a linguagem escrita (apropriação de léxico empregado no texto, conhecimento e apropriação de articuladores que estabelecem relações entre as partes do enunciado etc.). Reconta-se também para recuperar os episódios da história ouvida e para discutir a ordem em que se apresentam na história: ou seja, para tematizar aspectos da organização do discurso escrito;
[...]

As Operações de Produção de Textos


Concordando com Dolz, Gagnon e Decândio (2010)[1] consideramos que a produção de um texto é sempre determinada pelas características da situação de comunicação na qual este texto vai circular, ou seja, pelo contexto definido para a sua produção. Entre as características fundamentais desse contexto estão as seguintes:
a)      a destinação do texto para um leitor – específico ou presumido – do qual o produtor tem uma representação construída a respeito do que sabe sobre o assunto que será tratado, sobre a linguagem, sobre o gênero no qual o texto será organizado, sobre eventuais posições a respeito do assunto. Além disso, o produtor tem uma relação constituída com esse interlocutor, que pode ser de maior ou menor familiaridade, envolvendo hierarquia ou não;
b)     a finalidade colocada para o texto, que pode ser apresentar resultados de estudo; discutir uma questão de relevância social; orientar para a realização de determinada tarefa; relatar uma viagem ou experimento científico; convidar para um evento acadêmico; anunciar para venda determinado produto; notificar sobre alguma pendência jurídica, listar materiais que precisam ser comprados em uma determinada loja, entre outras;
c)      a circulação em um determinado espaço social[2]: escola; igreja; mídia – impressa, radiofônica, televisiva ou eletrônica; empresa; instituição governamental; condomínio residencial, blog, entre outros;
d)     a publicação em determinado portador e/ou veículo[3];
e)      a organização do texto em um gênero[4] específico, selecionado, sobretudo, em função da adequação à finalidade colocada para o texto: por exemplo, se a intenção for convencer determinada audiência de que se deve abandonar o uso das sacolas plásticas de supermercado em função do prejuízo para o equilíbrio do ecossistema, e o veículo a ser utilizado é o jornal do bairro, um artigo de opinião parece ser o gênero mais adequado; já se a intenção for esclarecer um grupo de idosos sobre os benefícios dos exercícios físicos para a saúde, alguns gêneros possíveis poderiam seriam o folder, uma palestra, uma reportagem impressa ou videográfica, entre outros;
f)       o lugar social que o produtor do texto assumirá: se falará – ou escreverá - do lugar de pai, de professor, de advogado, de promotor, de economista, de parlamentar, entre outros; no processo de produção de um texto a assunção de determinado lugar social traz implicações para o texto, tanto em termos de seleção de aspectos a serem abordados, quanto do tratamento que o assunto receberá (se mais – ou menos - aprofundado ; mais – ou menos – técnico; mais – ou menos – direto, por exemplo), ou da organização do texto, escolhas lexicais e seleção de registro de linguagem, entre outras.
É importante que se diga que nenhuma dessas características determina o texto de maneira isolada; ao contrário, elas constituem um conjunto de aspectos articulados que definem os parâmetros da situação de comunicação e, dessa forma, influenciam o produtor nas escolhas que faz no processo de produção, determinando as características do texto.
Assim, se a ideia forque a classe de 5º ano produza verbetes enciclopédicos sobre esportes curiosospara colocar no mural do andar em que as classes de 2º e 3º anos funcionam, então será preciso considerar aspectos como:
a)      que esportes podem parecer curiosos para os alunos de 2º e 3º anos?
b)     será importante colocar imagens – desenhos, fotografias - nesses verbetes, considerando que serão destinados às crianças do 2º e 3º ano? Isso poderá fazer com que elas queiram ler os textos?
c)      que extensão os textos devem ter para parecerem atrativos a esses alunos, já que os lerão em pé?
d)     de que tamanho devem ser as letras, de modo que os alunos não se intimidem para ler os textos e de forma que essa seja uma tarefa possível para todos?
e)      de que maneira o mural pode ser organizado de forma que chame a atenção desses alunos quando passarem pelo corredor? Que recursos precisam ser utilizados para isso? Imagens, cores, gráficos variados?
f)       será que escrever um texto com humor pode ser interessante para esses leitores?
g)     e as imagens, se forem divertidas podem ser mais atrativas para eles?
h)     e se os nomes dos esportes forem escritos de cor diferente nos textos, com letras de formatos engraçados – ou em forma que remeta ao esporte a que se refere – será que pode ser um bom recurso?
i)        e se ao organizarmos o mural, colocarmos os nomes dos esportes de maneira destacada, colorida, com letras divertidas e maiores do que as dos textos, até com perguntas que remetam à curiosidade que tratarão, será que isso pode ser atrativo para esses leitores?
Como se pode ver, as questões relacionadas remetem a diferentes elementos do contexto de produção definido para o texto e cada uma delas imprimirá no texto a sua marca, determinando-o em sua totalidade[5].
No processo de ensino, a consideração desses aspectos deve orientar o escritor – ou falante – em todos os momentos do processo de produção de um texto: desde o planejamento global do texto, passando pela planificação, textualização e revisão. As decisões a serem tomadas durante todo o processo devem ser parametrizadas pelas características do contexto de produção definido. Dito de outra maneira, os diferentes aspectos do contexto de produção devem funcionar como critério de tomada de decisão sobre o texto que está sendo produzido.
Na perspectiva que estamos adotando, os parâmetros da situação de comunicação são a base na qual o texto será elaborado; dessa forma, a orientação do texto a partir dessa base é a operação fundamental de produção de um texto, aquela que parametriza todas as demais operações.
O quadro a seguir, adaptado de Dolz, Gagnon e Decândio (2010; p. 25), apresenta o conjunto das operações de produção de um texto.










As operações de produção de texto
As cinco operações indicadas no gráfico são fundamentais no processo de produção de textos. Não se trata de operações artificialmente criadas para uma orientação didática, mas de procedimentos de produtores proficientes. Sendo assim, se estes as realizam, e se hoje é possível saber disso, então é preciso considerar essas operações na organização de situações didáticas de produção de textos, tomando como objeto de ensino os procedimentos nela implicados.
A operação de contextualização consiste em recuperar o contexto de produção definido para o texto de modo que todos os aspectos que o caracterizem sejam tomados como orientadores da elaboração do texto, de modo a torná-lo coerente com a situaçãocomunicativa. É esta coerência que o tornará mais adequado para que cumpra a sua finalidade.
A elaboração e tratamento do conteúdo temáticorefere-se ao levantamento de informações, fatos, tomadas de posicionamento ou à criação de uma trama, dependendo de qual for o gênero no qual o texto se organizará. A esse respeito é preciso que consideremos, pelo menos, dois aspectos:
a)      quando se trata de um texto de autoria – seja ela parcial ou integral – o conteúdo temático pode ser definido de duas maneiras:
a.       ou por criação (invenção), quando se tratar de textos ficcionais e, portanto, da esfera literária (contos, crônicas, fábulas, romances, novelas, entre outros);
b.      ou por pesquisa e investigação, no caso de se tratar de textos das demais esferas (notícias, artigos de opinião, artigos expositivos, reportagens, anúncios, bilhetes, manuais, receitas culinárias, cartas de leitor, cartas pessoais, verbetes de curiosidade, verbetes enciclopédicos, entre outros);
b)     quando se trata de uma reescrita – seja ela do texto todo ou de parte dele–o conteúdo temático já está dado, cabendo ao produtor apenas retomar o conteúdo do texto – ou trecho - que será reescrito, incluindo-se nessa retomada a organização textual já definida, assim como as relações estabelecidas entre os episódios.
Ao se pesquisar ou criar o conteúdo temático é fundamental que seja analisada a sua pertinência e adequação a todos os aspectos da situação de produção, incluindo-se o gênero.
A operação de planificação(Dolz ett ali: 2010; p. 26)compreende a organização de um plano de texto, ou seja, a definição de quais serão as suas partes, em que ordem virão no texto, de que maneira se articularão e quais relações serão estabelecidas entre elas. Os textos organizam-se de acordo com as características do gênero; dessa forma, essa deve ser uma referência fundamental na planificação. Uma notícia, por exemplo, organiza-se no eixo de relevância, com ampliação crescente, a cada trecho, do grau de detalhamento da informação; um conto, ao contrário, organiza-se no eixo temporal, estabelecendo relações de causalidade entre suas partes; já um artigo expositivo de divulgação científica possui suas informações ordenadas hierarquicamente, de acordo com classificações relativas ao objeto de conhecimento a que se refere; um artigo de opinião será organizado em função do movimento argumentativo considerado mais adequado às condições de produção definidas: em ordem crescente ou decrescente de força de cada um dos argumentos a serem empregados.[6]
A textualização compreende a produção do texto, em si, tendo os seguintes parâmetros referenciais:
a)      as características da situação de produção;
b)     o planejamento do conteúdo temático;
c)      a planificação do texto.
Trata-se de elaborar os enunciados e organizá-los linearmente considerando a progressão temática, a coesão entre as partes do enunciado e a coerência entre as partes e das partes com o tema geral.
A textualização envolve, dessa forma:
a)      o emprego dos recursos da língua que marcam a segmentação e a conexão entre as partes do texto (os recursos de pontuação, a paragrafação e os organizadores textuais);
b)     a utilização dos recursos necessários ao estabelecimento de coesão verbal e nominal;
c)      a realização das operações de  lexicalização (seleção adequada  de palavras) e de sintagmatização (organização sintática dos enunciados).
Caso a produção esteja sendo registrada graficamente pelo aluno também envolverá os conhecimentos relativos à compreensão do sistema e à ortografia.
Além de todos esses conhecimentos, vale ressaltar também a necessidade de lidar com “os aspectos estritamente gráficos, a configuração geral do texto escrito, a disposição espacial, a paginação e a repartição dos blocos no texto”(Dolz ett ali: 2010; p. 29), pois considerar esses aspectos na organização do texto pode facilitar a leitura do texto.
No processo de produção de textos, portanto, todas essas operações estão envolvidas, assim como todos os conhecimentos linguísticos e discursivos que a realização destas operações requerem. É preciso, assim, considerarmos a especificidade das mesmas e tomá-las como objeto de ensino – assim como aos aspectos do conhecimento que requerem, inclusive os procedimentos que exigem.
Não se trata, no entanto, de se planejar aulas expositivas de sinais de pontuação, de concordância nominal e verbal, discussões ortográficas exaustivas; ao contrário, a tematização desses aspectos – em especial nos anos iniciais do ensino fundamental – precisa acontecer de modo epilinguístico, quer dizer, no uso, no exercício da produção e revisão dos textos.
Para finalizar, falemos da operação de revisãodo texto. A revisão processual é constitutiva do processo de produção do texto: enquanto escrevemos, relemos a parte produzida e a ajustamos; analisamos a sua adequação em relação ao trecho anterior; revemos os recursos utilizados para estabelecer a conexão e, se necessário, os readequamos; substituímos palavras utilizados por outras que consideramos mais adequadas. Do ponto de vista da produção, a revisão processual é contínua e concomitante ao processo de produção, em si.
Mas há a revisão final – ou posterior- que é realizada depois que uma primeira versão do texto é produzida. Nesse caso, a análise se dá em função do texto inteiro e analisa-se sua coerência e coesão, sua correção gramatical, sua adequação ao contexto de produção de maneira global, e não parcial. Além disso, a revisão ocorre em um momento diferente – posterior – do momento da produção, de modo que o produtor passa a ter um certo distanciamento do texto, ao qual retorna, e o qual relê, revisa e refaz.

Uma vez tendo esclarecido quais operações estão envolvidas no processo de produção de textos, podemos nos referir às práticas de produção de texto – modalidades didáticas mais usuais - recomendadas para o trabalho com o escritor iniciante, ambas indicadas nas expectativas de aprendizagem de língua portuguesa.
Antes, porém, um último esclarecimento a respeito da produção de textos no trabalho com a linguagem escrita: trata-se de uma atividade que pode ser realizada pelos alunos quer estes estejam alfabetizados ou não. Quando não estiverem alfabetizados, a organização da atividade deverá prever um escrevente – ou escriba – que assuma a responsabilidade do registro gráfico. Este escrevente poderá ser o professor - sobretudo na realização de produções coletivas -, ou um colega - quando a produção for realizada em duplas, trios ou grupos maiores.
Nessa situação,a fala será a ferramenta a ser utilizada para a organização do texto em linguagem escrita: os alunos ditarão o texto para o escrevente, quer dizer, realizarão a textualização tendo a fala como suporte, o que em nada prejudica o aprendizado em foco, dado que a compreensão do sistema de escrita e da ortografia são apenas dois dos múltiplos conhecimentos implicados no trabalho, não sendo, nem de longe os aspectos imprescindíveis do processo.
Vale ressaltar, no entanto, que, de maneira alguma se está assumindo uma posição que demonstre negligência em relação a esse aspecto. A questão, apenas, é saber quais aspectos do conhecimento são imprescindíveis para a produção textual, de modo que se possa organizar o aprendizado otimizando o tempo didático de que se dispõe na escola. Se sabemos que não é preciso o aluno estar alfabetizado para produzir um texto, ainda que seja em linguagem escrita, não é preciso esperar que a compreensão do sistema aconteça para focalizar esse conteúdo. Ao contrário, enquanto o aluno se alfabetiza também aprende a lidar com outros aspectos do conhecimento da linguagem, talvez até mais complexos.

Modalidades Didáticas de Produção de Textos Fundamentais e Organização do Trabalho Pedagógico



A Reescrita de Textos

A reescrita é uma atividade quecoloca o foco do aluno na textualização, em si, e não na produção de conteúdo temático. Isso porque nesta atividade o aluno já conhece o texto, sendo que a sua tarefa é reescrevê-lo, recontar por escrito o conteúdo– que pode ser um conto, uma fábula, por exemplo – conhecido.
Para reescrever o aluno precisa, portanto, recuperar o conteúdo, considerando a organização dos fatos/episódios/acontecimentos/informações – de acordo com o gênero do texto que será reescrito - tal como apresentado no texto conhecido, inclusive a sua ordem sequencial, articulações e relações estabelecidas.
Se pudéssemos fazer um quadro que caracterizasse a atividade de reescrita, poderia ser assim organizado:

atividade de reescrita de textos
Por que é importante realizar uma atividade de reescrita?
1.       Porque é possível aprender sobre linguagem escrita antes de saber grafar a linguagem (organização interna dos textos; recursos de linguagem literária; características da linguagem escrita como um todo).
2.       Porque essa é uma atividade que permite que o foco do trabalho do aluno seja no processo de textualização, uma vez que o conteúdo – assunto, tema – do texto já está definido. O aluno, nesse caso, não precisa produzir – criar ou pesquisar – o conteúdo temático, concentrando seus esforços em redigir o texto, em organizar o enunciado.
Além disso, deixa o aluno mais livre para prestar atenção em recursos linguísticos e discursivos utilizados no texto fonte, criando a possibilidade de apropriação dos mesmos e utilização no texto pessoal.
3.       Para modelizar procedimentos de textualização – quando a atividade for realizada coletivamente como ditado ao professor.
4.       Para possibilitar ao aluno a prática dos procedimentos de textualização, como: a planificação do texto; a utilização dessa planificação como orientadora da textualização; a revisão processual do texto (analisar parte a parte o que foi escrito, verificando as articulações realizadas, a manutenção da coerência e a adequação dos articuladores); a revisão posterior do texto (análise global da primeira versão do texto, verificando sua correção gramatical e sua adequação discursiva, assim como a pertinência dos articuladores e das decorrentes relações criadas pelos mesmos no texto).
5.       Porque é possível coordenar os diferentes procedimentos escritores, progressivamente, quando articulados às diferentes maneiras de se planejar essa atividade.
6.       Porque é possível que o alunoexerça diferentes papéis enunciativos[7] quando a atividade é realizada em duplas ou trios, o que é fundamental na atividade de escrita, pois tais papéis a constituem.
Quais informações sobre a atividade são disponibilizadas para o aluno quando da leitura do mesmo?
No processo de leitura do texto pelo professor são disponibilizadas as seguintes informações:
a)       qual é o conteúdo temático do texto;
b)      quais são as características do texto, o que implica em informações sobre:
a.       características fundamentais do gênero;
b.       características da linguagem utilizada pelo autor;
c.        perspectiva a partir da qual o tema é tratado;
d.       qual é o tipo de narrador;
e.       organização interna do texto, incluindo a ordem em que os fatos/informações/episódios (dependendo do gênero) são apresentados;
f.         tempo verbal predominante no texto.
Quando a leitura em voz alta é articulada com reconto oral, como atividade de recuperação dos episódios do texto e como oplano do que será reescrito, essas informações podem tornar-seainda mais reconhecíveis pelos alunos.
Quais conhecimentos o aluno pode mobilizar quando vai reescrever?
Todos os conhecimentos relativos ao processo de textualização, que envolve:
a)       recuperar a sequência dos fatos/acontecimentos/episódios do texto (dependendo de qual for o gênero);
b)      organizar a progressão do texto considerando a ordem de tais aspectos;
c)       utilizar recursos coesivos adequados para estabelecer a relação existente entre os episódios;
d)      garantir a manutenção da coerência do texto;
e)       pontuar o texto de modo a tentar garantir a significação do texto fonte;
f)        organizar o texto em parágrafos adequados;
g)      utilizar conhecimentos gramaticais e sintáticos fundamentais para a organização de enunciados;
h)       planificar o texto antes de redigi-lo;
i)         revisar o texto processualmente, enquanto o redige e globalmente, depois de terminada a primeira versão;
j)         orientar todo o processo de textualização pelo contexto de produção presumido do texto fonte.
É preciso considerar que, entre todos esses conhecimentos, o aluno mobilizará aqueles que já tiverem sido apropriados/aprendidos, e do modo como tiverem sido apropriados/aprendidos. Os conhecimentos ainda não aprendidos serão tematizados.
Com quais outras atividades uma reescrita pode articular-se de modo que o aprendizado seja otimizado?
A reescrita pode se articular com uma atividade fundamental, que é o reconto oral. Este, por sua vez, pode funcionar de duas maneiras não excludentes:
a)       como uma simples recuperação de quais foram os episódios/fatos/acontecimentos do texto, explicitando-se a relação existente entre eles, em um processo em que a professora vai perguntando “Como começou a história? E agora, o que aconteceu? E depois disso? Como o texto termina?”;
b)      como um reconto, propriamente, no qual os alunos redigem oralmente o texto em registro literário, falando-o como se o estivessem lendo e procurando recuperar os recursos textuais utilizados no texto fonte.
As duas possibilidades de reconto podem ser desenvolvidas com a classe, dependendo das suas possibilidades e necessidades. Ou seja, se os alunos ainda não conseguem recuperar o conteúdo do texto sequencialmente, na ordem do texto fonte (temporal, por exemplo, caso seja um conto), é preciso que isso seja trabalhado com eles por meio do reconto. Caso eles já tenham essa proficiência, é preciso investir na textualização mesmo do texto (ainda que feita oralmente) e na observação das características da linguagem escrita, quando a segunda possibilidade de reconto é mais adequada.
O reconto para recuperação de episódios do texto pode, inclusive, funcionar como planejamento do conteúdo temático, o qual será matéria da planificação do texto e da textualização, em si.
A reescrita deve ser sempre proposta a partir de um único texto?
A reescrita pode ser proposta de várias maneiras, entre elas, as seguintes:
a)       Sem modificações:
a.       com base em um único texto e sem modificações no conteúdo temático;
b.       com base em mais de uma versão da mesma história, para que o aluno – ou a classe – escolha os recursos textuais do texto que preferir, assim como a perspectiva focalizada;
b)      Com modificações:
a.       com base em um único texto e com a proposta de modificar um aspecto específico (o final, por exemplo; ou o narrador, o que implica na mudança de perspectiva da qual a história é narrada);
b.       com base em mais de um texto e com proposta de modificação de um aspecto específico.
No caso da reescrita com modificações, cabem duas observações:
a)       quando se trata de elaborar uma parte de um texto, a parte original é sempre conhecida, sendo a mudança intencional;
b)      há uma produção de conteúdo, ou seja, um componente de autoria no que se refere a esse aspecto;
c)       quando se trata de reescrita a partir de mudança de perspectiva enunciativa – de narrador onisciente para narrador personagem, p.e. – embora a história original seja a mesma, há um processo mais amplo de criação de conteúdo temático, pois é possível que seja necessária a criação de episódios que correspondam à perspectiva de quem narra. Um exemplo disso, é a reescrita do conto “A roupa nova do rei”, a partir da perspectiva do menino que, ao final do texto, grita “O rei está nu!”, personagem que só parece nessa cena.
No caso da reescrita sem modificações, a autoria está apenas no texto, em si, e não no conteúdo temático.
Por isso a denominação reescrita, e a reserva do termo “texto de autoria” para quando há criação/produção tanto de conteúdo temático quanto do texto, em si.
Que relação existe entre versão de um texto e reescrita de um texto?
O termo “versão” costuma ser utilizado para indicar uma maneira diferente de interpretar um determinado fato ou acontecimento já conhecido, uma determinada história. Note-se que quando se fala em “interpretação” fala-se em conteúdo temático, e não em texto. Sendo assim, uma versão corresponde à ideia de reescrita com modificações.
É preciso que o aluno já tenha compreendido o sistema de escrita para fazer reescritas?
A textualização é um processo que independe da grafia de próprio punho de um texto. É possível redigir um texto ditando-o para alguém que saiba grafar. Essa prática já foi comum entre chefes e suas secretárias (ditar um memorando para ser digitado e enviado, p.e.); e também são clássicos os casos de escritores (como Borges) que, por dificuldades de visão, passaram a ditar seus romances a auxiliares.
A conclusão é a seguinte: é possível aprender a linguagem escrita (redigir um texto mobilizando todos os conhecimentos necessários para textualizá-lo, ainda que sem grafa-lo), sem que se saiba escrever.
Nessa perspectiva, os alunos podem produzir um texto coletivamente, ditando para o professor, que o registra na lousa; ou em duplas, ditando-o para um parceiro que saiba grafa-lo.
Fundamental é compreender, portanto, que a atividade de reescrita deve ser realizada com a finalidade de possibilitar ao aluno a aprendizagem da linguagem escrita, e não do sistema de escrita. Para a aprendizagem deste último, há que serem organizadas atividades específicas.
De que maneira uma reescrita pode ser realizada?
Para os alunos que ainda não compreenderam o sistema de escrita a reescrita deve ser realizada sempre em colaboração com um parceiro que saiba grafar: o professor ou outro aluno; coletivamente ou em pequenos grupos e/ou duplas.
Para os alunos que já compreenderam o sistema de escrita, de diferentes maneiras:
a)       coletivamente, ditando para o professor, que registra o texto[8];
b)      em duplas/pequenos grupos colaborativos;
c)       individualmente.
Não se pode perder de vista que a atividade coletiva modeliza procedimentos de escrita e oferece referências de tratamento a ser dado ao texto. Desse modo, Desse modo, mesmo que o aluno já escreva alfabeticamente, a reescrita coletiva pode ser necessária.
Quais textos devem/podem ser reescritos na escola?
Preferencialmente, textos ficcionais da esfera literária, como contos, lendas, mitos, fábulas.

Trecho do documento de orientações didáticas para as expectativas de aprendizagem. SEE Kátia L Bräkling, abril2013


[1] DOLZ, Joaquim; Gagnon, Roxane; DECÂNDIO, Fabrício. Produção escrita e dificuldades de aprendizagem. Campinas (SP): Editora Mercado de Letras; 2010.
[2]A lugar de circulação chamamos os espaços nos quais os discursos serão veiculados, como: escola; sala de aula da universidade; seminários acadêmicos; cerimônias religiosas; clube; reuniões de partidos políticos; instituição governamental; empresas; julgamento; comício; show musical; espetáculo de dança ou teatral; programa de entretenimento de canais televisivos; sites de relacionamento, entre outros. Os lugares de circulação inscrevem-se dentro de determinadas esferas, como a acadêmica, religiosa, jurídica, política, artística, científica, de publicidade, de consumo, policial, entre outras tantas. As esferas são espaços sociais historicamente constituídos pela produção, divulgação e circulação de determinados saberes, fazeres e tipos de conhecimento. As esferas não são isoladas umas das outras; ao contrário, articulam-se em um determinado horizonte cultural marcado temporal, geográfica e historicamente. Se tomarmos como exemplo a esfera artística na sociedade brasileira, especificamente a esfera musical e da dança, veremos o quanto o maxixe – e mesmo o samba e o tango – era mal aceito (para não dizer proibido) em determinados grupos sociais na década de 20, por exemplo. Certamente pela concepção de música e de dança que circulava na época, do que seria bem aceito como dança de salão em determinados círculos, do que seria correto moralmente em termos de proximidade física entre homem e mulher, entre outros aspectos. Esse cenário – composto pela inter-relação de valores e de saberes de diferentes esferas -, hoje em dia, está muito modificado, o que é decorrente da mudança cultural sofrida pela sociedade brasileira.
[3]Estamos considerando neste documento que portador se refere a materiais como jornal, livro, revista, sejam eletrônicos ou impressos, blog, diferentes tipos de sites, murais, folders, panfletos, almanaques, enciclopédias, agenda, ou seja, materiais com uma configuração própria, criada socialmente e que circula em espaços sociais mais amplos ou mais específicos. Já um veículo é mais do que o portador: é uma “instituição”, orientada ideologicamente por valores definidos, com finalidades e público específicos, com identificação própria (nome, logomarca, projeto editorial, p.e.), que acaba assumindo posições – explicitamente ou não - a respeito de diferentes temas/assuntos em função dos valores que as orientam. Dessa forma, podemos dizer que para um mesmo portador, como jornal, por exemplo, temos muitos veículos: Folha de São Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo, Agora, Valor Econômico, Jornal dos Concursos, entre outros. Da mesma forma para revistas: Piauí, Super Interessante, Recreio, Nova, Caras, TPM, Época, Veja, Isto É, Língua Portuguesa, Nova Escola, Revista Veras (somente eletrônica), Construir mais por menos, Quatro Rodas, Pátio, Emília, Coquetel, Saúde, entre tantas outras.
[4]Mais adiante no texto nos aprofundaremos nesse conceito.
[6]A respeito das questões relativas à coesão e coerência, consulte este mesmo documento alguns tópicos à frente.
[7] Por papéis enunciativos compreendemos as posições que um escritor assume no processo de produção de um texto: ele ora assume o lugar de escritor, em si, e ora o de leitor. Essa alternância é constitutiva da atividade de escrita, sendo fundamental para a realização do ajuste do texto ao contexto de produção, especialmente às possibilidades de compreensão do leitor.
[8] Para aprofundamento nesse aspecto, consulte: MOLINARI, Maria Cláudia. Intervención Docente em uma situación de dictado a la maestra. Buenos Aires: Colegio integral Martín Buber/Red Latinoamericana de Alfabetización; outubro/1999.

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