[...]o reconto oral, na
perspectiva de ensino colocada, é um recurso para ensino da linguagem escrita, e não oral:
reconta-se, tal “tal como escrito no livro”, “como se estivesse lendo”, ou
seja, o foco é a linguagem escrita (apropriação de léxico empregado no texto,
conhecimento e apropriação de articuladores que estabelecem relações entre as
partes do enunciado etc.). Reconta-se também para recuperar os episódios da
história ouvida e para discutir a ordem em que se apresentam na história: ou
seja, para tematizar aspectos da organização do discurso escrito;
[...]
As Operações de Produção de Textos
Concordando com
Dolz, Gagnon e Decândio (2010)[1]
consideramos que a produção de um texto é sempre determinada pelas características da situação de comunicação
na qual este texto vai circular, ou seja, pelo contexto definido para a sua
produção. Entre as características fundamentais desse contexto estão as
seguintes:
a) a destinação do texto para
um leitor – específico ou presumido – do qual o produtor
tem uma representação construída a respeito do que sabe sobre o assunto que
será tratado, sobre a linguagem, sobre o gênero no qual o texto será
organizado, sobre eventuais posições a respeito do assunto. Além disso, o
produtor tem uma relação constituída com esse interlocutor, que pode ser de
maior ou menor familiaridade, envolvendo hierarquia ou não;
b) a finalidade colocada para
o texto, que pode ser apresentar resultados de estudo;
discutir uma questão de relevância social; orientar para a realização de
determinada tarefa; relatar uma viagem ou experimento científico; convidar para
um evento acadêmico; anunciar para venda determinado produto; notificar sobre
alguma pendência jurídica, listar materiais que precisam ser comprados em uma
determinada loja, entre outras;
c) a circulação em um
determinado espaço social[2]: escola; igreja; mídia – impressa, radiofônica, televisiva ou
eletrônica; empresa; instituição governamental; condomínio residencial, blog,
entre outros;
e) a organização do texto em
um gênero[4]
específico, selecionado, sobretudo, em função da adequação
à finalidade colocada para o texto: por exemplo, se a intenção for convencer
determinada audiência de que se deve abandonar o uso das sacolas plásticas de
supermercado em função do prejuízo para o equilíbrio do ecossistema, e o
veículo a ser utilizado é o jornal do bairro, um artigo de opinião parece ser o
gênero mais adequado; já se a intenção for esclarecer um grupo de idosos sobre
os benefícios dos exercícios físicos para a saúde, alguns gêneros possíveis
poderiam seriam o folder, uma palestra, uma reportagem impressa ou videográfica,
entre outros;
f) o lugar social que o
produtor do texto assumirá: se falará – ou escreverá
- do lugar de pai, de professor, de advogado, de promotor, de economista, de
parlamentar, entre outros; no processo de produção de um texto a assunção de
determinado lugar social traz implicações para o texto, tanto em termos de
seleção de aspectos a serem abordados, quanto do tratamento que o assunto receberá
(se mais – ou menos - aprofundado ; mais – ou menos – técnico; mais – ou menos
– direto, por exemplo), ou da organização do texto, escolhas lexicais e seleção
de registro de linguagem, entre outras.
É importante que
se diga que nenhuma dessas características determina o texto de maneira
isolada; ao contrário, elas constituem um conjunto de aspectos articulados que
definem os parâmetros da situação de comunicação e, dessa forma, influenciam o
produtor nas escolhas que faz no processo de produção, determinando as
características do texto.
Assim, se a ideia
forque a classe de 5º ano produza verbetes enciclopédicos sobre esportes
curiosospara colocar no mural do andar em que as classes de 2º e 3º anos
funcionam, então será preciso considerar aspectos como:
a) que esportes podem parecer curiosos para os alunos de 2º e 3º anos?
b) será importante colocar imagens – desenhos, fotografias - nesses
verbetes, considerando que serão destinados às crianças do 2º e 3º ano? Isso
poderá fazer com que elas queiram ler os textos?
c) que extensão os textos devem ter para parecerem atrativos a esses
alunos, já que os lerão em pé?
d) de que tamanho devem ser as letras, de modo que os alunos não se
intimidem para ler os textos e de forma que essa seja uma tarefa possível para
todos?
e) de que maneira o mural pode ser organizado de forma que chame a atenção
desses alunos quando passarem pelo corredor? Que recursos precisam ser
utilizados para isso? Imagens, cores, gráficos variados?
f) será que escrever um texto com humor pode ser interessante para esses
leitores?
g) e as imagens, se forem divertidas podem ser mais atrativas para eles?
h) e se os nomes dos esportes forem escritos de cor diferente nos textos,
com letras de formatos engraçados – ou em forma que remeta ao esporte a que se
refere – será que pode ser um bom recurso?
i)
e se ao organizarmos o
mural, colocarmos os nomes dos esportes de maneira destacada, colorida, com
letras divertidas e maiores do que as dos textos, até com perguntas que remetam
à curiosidade que tratarão, será que isso pode ser atrativo para esses
leitores?
Como se pode ver, as questões relacionadas remetem a diferentes
elementos do contexto de produção definido para o texto e cada uma delas
imprimirá no texto a sua marca, determinando-o em sua totalidade[5].
No processo de ensino, a consideração desses aspectos deve orientar o
escritor – ou falante – em todos os momentos do processo de produção de um
texto: desde o planejamento global do texto, passando pela planificação,
textualização e revisão. As decisões a serem tomadas durante todo o processo
devem ser parametrizadas pelas características do contexto de produção
definido. Dito de outra maneira, os diferentes aspectos do contexto de produção
devem funcionar como critério de tomada de decisão sobre o texto que está sendo
produzido.
Na perspectiva que
estamos adotando, os parâmetros da situação de comunicação são a base na qual o
texto será elaborado; dessa forma, a orientação do texto a partir dessa base é
a operação fundamental de produção de um texto, aquela que parametriza todas as
demais operações.
O quadro a seguir,
adaptado de Dolz, Gagnon e Decândio (2010; p. 25), apresenta o conjunto das
operações de produção de um texto.
As operações de produção
de texto
As cinco operações
indicadas no gráfico são fundamentais no processo de produção de textos. Não se
trata de operações artificialmente criadas para uma orientação didática, mas de
procedimentos de produtores proficientes. Sendo assim, se estes as realizam, e
se hoje é possível saber disso, então é preciso considerar essas operações na
organização de situações didáticas de produção de textos, tomando como objeto
de ensino os procedimentos nela implicados.
A operação de contextualização consiste em recuperar
o contexto de produção definido para o texto de modo que todos os aspectos que
o caracterizem sejam tomados como orientadores da elaboração do texto, de modo
a torná-lo coerente com a situaçãocomunicativa. É esta coerência que o tornará
mais adequado para que cumpra a sua finalidade.
A elaboração e tratamento do conteúdo
temáticorefere-se ao levantamento de informações, fatos, tomadas de
posicionamento ou à criação de uma trama, dependendo de qual for o gênero no
qual o texto se organizará. A esse respeito é preciso que consideremos, pelo
menos, dois aspectos:
a) quando se trata de um texto de
autoria – seja ela parcial ou integral – o conteúdo temático pode ser
definido de duas maneiras:
a. ou por criação (invenção),
quando se tratar de textos ficcionais e, portanto, da esfera literária (contos,
crônicas, fábulas, romances, novelas, entre outros);
b. ou por pesquisa e investigação,
no caso de se tratar de textos das demais esferas (notícias, artigos de
opinião, artigos expositivos, reportagens, anúncios, bilhetes, manuais,
receitas culinárias, cartas de leitor, cartas pessoais, verbetes de
curiosidade, verbetes enciclopédicos, entre outros);
b) quando se trata de uma reescrita
– seja ela do texto todo ou de parte dele–o conteúdo temático já está dado,
cabendo ao produtor apenas retomar o conteúdo do texto – ou trecho - que será
reescrito, incluindo-se nessa retomada a organização textual já definida, assim
como as relações estabelecidas entre os episódios.
Ao se pesquisar ou
criar o conteúdo temático é fundamental que seja analisada a sua pertinência e
adequação a todos os aspectos da situação de produção, incluindo-se o gênero.
A operação de planificação(Dolz ett ali: 2010; p. 26)compreende a organização de um plano de texto,
ou seja, a definição de quais serão as suas partes, em que ordem virão no
texto, de que maneira se articularão e quais relações serão estabelecidas entre
elas. Os textos organizam-se de acordo com as características do gênero; dessa
forma, essa deve ser uma referência fundamental na planificação. Uma notícia,
por exemplo, organiza-se no eixo de relevância, com ampliação crescente, a cada
trecho, do grau de detalhamento da informação; um conto, ao contrário,
organiza-se no eixo temporal, estabelecendo relações de causalidade entre suas
partes; já um artigo expositivo de divulgação científica possui suas
informações ordenadas hierarquicamente, de acordo com classificações relativas
ao objeto de conhecimento a que se refere; um artigo de opinião será organizado
em função do movimento argumentativo considerado mais adequado às condições de
produção definidas: em ordem crescente ou decrescente de força de cada um dos
argumentos a serem empregados.[6]
A textualização compreende a produção do
texto, em si, tendo os seguintes parâmetros referenciais:
a)
as características da
situação de produção;
b)
o planejamento do conteúdo
temático;
c)
a planificação do texto.
Trata-se de
elaborar os enunciados e organizá-los linearmente considerando a progressão
temática, a coesão entre as partes do enunciado e a coerência entre as partes e
das partes com o tema geral.
A textualização
envolve, dessa forma:
a) o emprego dos recursos da língua que marcam a segmentação e a conexão
entre as partes do texto (os recursos de pontuação, a paragrafação e os
organizadores textuais);
b) a utilização dos recursos necessários ao estabelecimento de coesão
verbal e nominal;
c) a realização das operações de
lexicalização (seleção adequada
de palavras) e de sintagmatização (organização sintática dos enunciados).
Caso a produção
esteja sendo registrada graficamente pelo aluno também envolverá os
conhecimentos relativos à compreensão do sistema e à ortografia.
Além de todos
esses conhecimentos, vale ressaltar também a necessidade de lidar com “os aspectos estritamente gráficos, a
configuração geral do texto escrito, a disposição espacial, a paginação e a
repartição dos blocos no texto”(Dolz ett
ali: 2010; p. 29), pois considerar esses aspectos na organização do texto
pode facilitar a leitura do texto.
No processo de
produção de textos, portanto, todas essas operações estão envolvidas, assim
como todos os conhecimentos linguísticos e discursivos que a realização destas
operações requerem. É preciso, assim, considerarmos a especificidade das mesmas
e tomá-las como objeto de ensino – assim como aos aspectos do conhecimento que
requerem, inclusive os procedimentos que exigem.
Não se trata, no
entanto, de se planejar aulas expositivas de sinais de pontuação, de
concordância nominal e verbal, discussões ortográficas exaustivas; ao
contrário, a tematização desses aspectos – em especial nos anos iniciais do
ensino fundamental – precisa acontecer de modo epilinguístico, quer dizer, no uso, no exercício da produção e
revisão dos textos.
Para finalizar,
falemos da operação de revisãodo
texto. A revisão processual é constitutiva do processo de produção do texto:
enquanto escrevemos, relemos a parte produzida e a ajustamos; analisamos a sua
adequação em relação ao trecho anterior; revemos os recursos utilizados para
estabelecer a conexão e, se necessário, os readequamos; substituímos palavras
utilizados por outras que consideramos mais adequadas. Do ponto de vista da
produção, a revisão processual é contínua e concomitante ao processo de
produção, em si.
Mas há a revisão final – ou posterior- que é realizada depois que uma primeira versão do texto
é produzida. Nesse caso, a análise se dá em função do texto inteiro e
analisa-se sua coerência e coesão, sua correção gramatical, sua adequação ao
contexto de produção de maneira global, e não parcial. Além disso, a revisão
ocorre em um momento diferente – posterior – do momento da produção, de modo
que o produtor passa a ter um certo distanciamento do texto, ao qual retorna, e
o qual relê, revisa e refaz.
Uma vez tendo
esclarecido quais operações estão envolvidas no processo de produção de textos,
podemos nos referir às práticas de produção de texto – modalidades didáticas
mais usuais - recomendadas para o trabalho com o escritor iniciante, ambas
indicadas nas expectativas de aprendizagem de língua portuguesa.
Antes, porém, um
último esclarecimento a respeito da produção de textos no trabalho com a
linguagem escrita: trata-se de uma atividade que pode ser realizada pelos
alunos quer estes estejam alfabetizados ou não. Quando não estiverem
alfabetizados, a organização da atividade deverá prever um escrevente – ou escriba –
que assuma a responsabilidade do registro gráfico. Este escrevente poderá ser o
professor - sobretudo na realização de produções coletivas -, ou um colega -
quando a produção for realizada em duplas, trios ou grupos maiores.
Nessa situação,a
fala será a ferramenta a ser utilizada para a organização do texto em linguagem
escrita: os alunos ditarão o texto para o escrevente, quer dizer, realizarão a
textualização tendo a fala como suporte, o que em nada prejudica o aprendizado
em foco, dado que a compreensão do sistema de escrita e da ortografia são
apenas dois dos múltiplos conhecimentos implicados no trabalho, não sendo, nem
de longe os aspectos imprescindíveis do processo.
Vale ressaltar, no
entanto, que, de maneira alguma se está assumindo uma posição que demonstre
negligência em relação a esse aspecto. A questão, apenas, é saber quais
aspectos do conhecimento são imprescindíveis para a produção textual, de modo
que se possa organizar o aprendizado otimizando o tempo didático de que se
dispõe na escola. Se sabemos que não é preciso o aluno estar alfabetizado para
produzir um texto, ainda que seja em linguagem escrita, não é preciso esperar
que a compreensão do sistema aconteça para focalizar esse conteúdo. Ao
contrário, enquanto o aluno se alfabetiza também aprende a lidar com outros
aspectos do conhecimento da linguagem, talvez até mais complexos.
Modalidades Didáticas de Produção de Textos Fundamentais e Organização do Trabalho Pedagógico
A Reescrita de Textos
A reescrita
é uma atividade quecoloca o foco do aluno na textualização, em si, e não na
produção de conteúdo temático. Isso porque nesta atividade o aluno já conhece o
texto, sendo que a sua tarefa é reescrevê-lo, recontar por escrito o conteúdo–
que pode ser um conto, uma fábula, por exemplo – conhecido.
Para reescrever o aluno precisa, portanto,
recuperar o conteúdo, considerando a organização dos
fatos/episódios/acontecimentos/informações – de acordo com o gênero do texto
que será reescrito - tal como apresentado no texto conhecido, inclusive a sua
ordem sequencial, articulações e relações estabelecidas.
Se pudéssemos fazer um quadro que
caracterizasse a atividade de reescrita,
poderia ser assim organizado:
atividade de reescrita de textos
|
|
Por que é importante realizar uma atividade de
reescrita?
|
1.
Porque é possível aprender sobre linguagem escrita
antes de saber grafar a linguagem (organização interna dos textos; recursos
de linguagem literária; características da linguagem escrita como um todo).
2.
Porque essa é uma
atividade que permite que o foco do trabalho do aluno seja no processo de textualização, uma vez que o conteúdo
– assunto, tema – do texto já está definido. O aluno, nesse caso, não precisa
produzir – criar ou pesquisar – o conteúdo temático, concentrando seus
esforços em redigir o texto, em organizar o enunciado.
Além
disso, deixa o aluno mais livre para prestar atenção em recursos linguísticos
e discursivos utilizados no texto fonte, criando a possibilidade de
apropriação dos mesmos e utilização no texto pessoal.
3.
Para modelizar procedimentos de textualização
– quando a atividade for realizada coletivamente como ditado ao professor.
4.
Para possibilitar
ao aluno a prática dos procedimentos
de textualização, como: a planificação do texto; a
utilização dessa planificação como orientadora da textualização; a revisão
processual do texto (analisar parte a parte o que foi escrito,
verificando as articulações realizadas, a manutenção da coerência e a
adequação dos articuladores); a revisão posterior do texto
(análise global da primeira versão do texto, verificando sua correção
gramatical e sua adequação discursiva, assim como a pertinência dos
articuladores e das decorrentes relações criadas pelos mesmos no texto).
5.
Porque é possível coordenar os diferentes procedimentos
escritores, progressivamente, quando articulados às diferentes maneiras
de se planejar essa atividade.
6.
Porque é possível
que o alunoexerça diferentes papéis
enunciativos[7]
quando a atividade é realizada em duplas ou trios, o que é fundamental na
atividade de escrita, pois tais papéis a constituem.
|
Quais informações sobre a atividade são
disponibilizadas para o aluno quando da leitura do mesmo?
|
No
processo de leitura do texto pelo professor são disponibilizadas as seguintes
informações:
a)
qual é o conteúdo
temático do texto;
b)
quais são as
características do texto, o que implica em informações sobre:
a.
características
fundamentais do gênero;
b.
características da
linguagem utilizada pelo autor;
c.
perspectiva a
partir da qual o tema é tratado;
d.
qual é o tipo de
narrador;
e.
organização
interna do texto, incluindo a ordem em que os fatos/informações/episódios
(dependendo do gênero) são apresentados;
f.
tempo verbal
predominante no texto.
Quando
a leitura em voz alta é articulada com reconto oral, como atividade de
recuperação dos episódios do texto e como oplano do que será reescrito, essas
informações podem tornar-seainda mais reconhecíveis pelos alunos.
|
Quais conhecimentos o aluno pode mobilizar quando
vai reescrever?
|
Todos
os conhecimentos relativos ao processo de textualização, que envolve:
a)
recuperar a
sequência dos fatos/acontecimentos/episódios do texto (dependendo de qual for
o gênero);
b)
organizar a
progressão do texto considerando a ordem de tais aspectos;
c)
utilizar recursos
coesivos adequados para estabelecer a relação existente entre os episódios;
d)
garantir a
manutenção da coerência do texto;
e)
pontuar o texto de
modo a tentar garantir a significação do texto fonte;
f)
organizar o texto
em parágrafos adequados;
g)
utilizar
conhecimentos gramaticais e sintáticos fundamentais para a organização de
enunciados;
h)
planificar o texto
antes de redigi-lo;
i)
revisar o texto
processualmente, enquanto o redige e globalmente, depois de terminada a
primeira versão;
j)
orientar todo o
processo de textualização pelo contexto de produção presumido do texto fonte.
É
preciso considerar que, entre todos esses conhecimentos, o aluno mobilizará
aqueles que já tiverem sido apropriados/aprendidos, e do modo como tiverem
sido apropriados/aprendidos. Os conhecimentos ainda não aprendidos serão
tematizados.
|
Com quais outras atividades uma reescrita pode
articular-se de modo que o aprendizado seja otimizado?
|
A
reescrita pode se articular com uma atividade fundamental, que é o reconto
oral. Este, por sua vez, pode funcionar de duas maneiras não excludentes:
a)
como uma simples
recuperação de quais foram os episódios/fatos/acontecimentos do texto,
explicitando-se a relação existente entre eles, em um processo em que a
professora vai perguntando “Como
começou a história? E agora, o que aconteceu? E depois disso? Como o texto
termina?”;
b)
como um reconto,
propriamente, no qual os alunos redigem oralmente o texto em registro
literário, falando-o como se o estivessem lendo e procurando recuperar os
recursos textuais utilizados no texto fonte.
As duas
possibilidades de reconto podem ser desenvolvidas com a classe, dependendo das
suas possibilidades e necessidades. Ou seja, se os alunos ainda não conseguem
recuperar o conteúdo do texto sequencialmente, na ordem do texto fonte
(temporal, por exemplo, caso seja um conto), é preciso que isso seja
trabalhado com eles por meio do reconto. Caso eles já tenham essa
proficiência, é preciso investir na textualização mesmo do texto (ainda que
feita oralmente) e na observação das características da linguagem escrita,
quando a segunda possibilidade de reconto é mais adequada.
O
reconto para recuperação de episódios do texto pode, inclusive, funcionar
como planejamento do conteúdo temático, o qual será matéria da planificação
do texto e da textualização, em si.
|
A reescrita deve ser sempre proposta a partir de um
único texto?
|
A
reescrita pode ser proposta de várias maneiras, entre elas, as seguintes:
a)
Sem modificações:
a.
com base em um
único texto e sem modificações no conteúdo temático;
b.
com base em mais
de uma versão da mesma história, para que o aluno – ou a classe – escolha os
recursos textuais do texto que preferir, assim como a perspectiva focalizada;
b)
Com modificações:
a.
com base em um
único texto e com a proposta de modificar um aspecto específico (o final, por
exemplo; ou o narrador, o que implica na mudança de perspectiva da qual a
história é narrada);
b.
com base em mais
de um texto e com proposta de modificação de um aspecto específico.
No caso
da reescrita com modificações, cabem duas observações:
a)
quando se trata de
elaborar uma parte de um texto, a parte original é sempre conhecida, sendo a mudança
intencional;
b)
há uma produção de
conteúdo, ou seja, um componente de autoria no que se refere a esse aspecto;
c)
quando se trata de
reescrita a partir de mudança de perspectiva enunciativa – de narrador
onisciente para narrador personagem, p.e. – embora a história original seja a
mesma, há um processo mais amplo de criação de conteúdo temático, pois é
possível que seja necessária a criação de episódios que correspondam à
perspectiva de quem narra. Um exemplo disso, é a reescrita do conto “A roupa
nova do rei”, a partir da perspectiva do menino que, ao final do texto, grita
“O rei está nu!”, personagem que só parece nessa cena.
No caso
da reescrita sem modificações, a autoria está apenas no texto, em si, e não
no conteúdo temático.
Por
isso a denominação reescrita, e a
reserva do termo “texto de autoria”
para quando há criação/produção tanto de conteúdo temático quanto do texto,
em si.
|
Que relação existe entre versão de um texto e
reescrita de um texto?
|
O termo
“versão” costuma ser utilizado para indicar uma maneira diferente de
interpretar um determinado fato ou acontecimento já conhecido, uma
determinada história. Note-se que quando se fala em “interpretação” fala-se
em conteúdo temático, e não em texto. Sendo assim, uma versão
corresponde à ideia de reescrita com modificações.
|
É preciso que o aluno já tenha compreendido o
sistema de escrita para fazer reescritas?
|
A
textualização é um processo que independe da grafia de próprio punho de um
texto. É possível redigir um texto ditando-o para alguém que saiba grafar.
Essa prática já foi comum entre chefes e suas secretárias (ditar um memorando
para ser digitado e enviado, p.e.); e também são clássicos os casos de
escritores (como Borges) que, por dificuldades de visão, passaram a ditar
seus romances a auxiliares.
A
conclusão é a seguinte: é possível aprender a linguagem escrita (redigir um
texto mobilizando todos os conhecimentos necessários para textualizá-lo,
ainda que sem grafa-lo), sem que se saiba escrever.
Nessa
perspectiva, os alunos podem produzir um texto coletivamente, ditando para o
professor, que o registra na lousa; ou em duplas, ditando-o para um parceiro
que saiba grafa-lo.
Fundamental
é compreender, portanto, que a atividade de reescrita deve ser realizada com
a finalidade de possibilitar ao aluno a aprendizagem da linguagem escrita, e
não do sistema de escrita. Para a aprendizagem deste último, há que serem
organizadas atividades específicas.
|
De que maneira uma reescrita pode ser realizada?
|
Para os
alunos que ainda não compreenderam o sistema de escrita a reescrita deve ser
realizada sempre em colaboração com um parceiro que saiba grafar: o professor
ou outro aluno; coletivamente ou em pequenos grupos e/ou duplas.
Para os
alunos que já compreenderam o sistema de escrita, de diferentes maneiras:
a)
coletivamente,
ditando para o professor, que registra o texto[8];
b)
em duplas/pequenos
grupos colaborativos;
c)
individualmente.
Não se
pode perder de vista que a atividade coletiva modeliza procedimentos de
escrita e oferece referências de tratamento a ser dado ao texto. Desse modo,
Desse modo, mesmo que o aluno já escreva alfabeticamente, a reescrita
coletiva pode ser necessária.
|
Quais textos devem/podem ser reescritos na escola?
|
Preferencialmente,
textos ficcionais da esfera literária, como contos, lendas, mitos, fábulas.
|
Trecho do documento de orientações didáticas para as
expectativas de aprendizagem. SEE Kátia L Bräkling, abril2013
[1]
DOLZ, Joaquim; Gagnon, Roxane;
DECÂNDIO, Fabrício. Produção escrita e
dificuldades de aprendizagem. Campinas (SP): Editora Mercado de Letras;
2010.
[2]A lugar de circulação chamamos
os espaços nos quais os discursos serão veiculados, como: escola; sala de aula
da universidade; seminários acadêmicos; cerimônias religiosas; clube; reuniões
de partidos políticos; instituição governamental; empresas; julgamento;
comício; show musical; espetáculo de dança ou teatral; programa de
entretenimento de canais televisivos; sites de relacionamento, entre outros. Os
lugares de circulação inscrevem-se dentro de determinadas esferas, como a acadêmica, religiosa, jurídica, política,
artística, científica, de publicidade, de consumo, policial, entre outras
tantas. As esferas são espaços sociais historicamente constituídos pela
produção, divulgação e circulação de determinados saberes, fazeres e tipos de
conhecimento. As esferas não são isoladas umas das outras; ao contrário,
articulam-se em um determinado horizonte cultural marcado temporal, geográfica
e historicamente. Se tomarmos como exemplo a esfera artística na sociedade
brasileira, especificamente a esfera musical e da dança, veremos o quanto o
maxixe – e mesmo o samba e o tango – era mal aceito (para não dizer proibido)
em determinados grupos sociais na década de 20, por exemplo. Certamente pela
concepção de música e de dança que circulava na época, do que seria bem aceito
como dança de salão em determinados círculos, do que seria correto moralmente
em termos de proximidade física entre homem e mulher, entre outros aspectos.
Esse cenário – composto pela inter-relação de valores e de saberes de diferentes
esferas -, hoje em dia, está muito modificado, o que é decorrente da mudança
cultural sofrida pela sociedade brasileira.
[3]Estamos
considerando neste documento que portador
se refere a materiais como jornal, livro, revista, sejam eletrônicos ou impressos,
blog, diferentes tipos de sites, murais, folders, panfletos, almanaques,
enciclopédias, agenda, ou seja, materiais com uma configuração própria, criada
socialmente e que circula em espaços sociais mais amplos ou mais específicos.
Já um veículo é mais do que o
portador: é uma “instituição”, orientada ideologicamente por valores definidos,
com finalidades e público específicos, com identificação própria (nome,
logomarca, projeto editorial, p.e.), que acaba assumindo posições –
explicitamente ou não - a respeito de diferentes temas/assuntos em função dos
valores que as orientam. Dessa forma, podemos dizer que para um mesmo portador,
como jornal, por exemplo, temos
muitos veículos: Folha de São Paulo,
O Globo, O Estado de São Paulo, Agora, Valor Econômico, Jornal dos Concursos,
entre outros. Da mesma forma para revistas: Piauí, Super Interessante, Recreio,
Nova, Caras, TPM, Época, Veja, Isto É, Língua Portuguesa, Nova Escola, Revista
Veras (somente eletrônica), Construir mais por menos, Quatro Rodas, Pátio,
Emília, Coquetel, Saúde, entre tantas outras.
[7] Por papéis enunciativos compreendemos as
posições que um escritor assume no processo de produção de um texto: ele ora assume o
lugar de escritor, em si, e ora o de leitor. Essa alternância é constitutiva da
atividade de escrita, sendo fundamental para a realização do ajuste do texto ao
contexto de produção, especialmente às possibilidades de compreensão do leitor.
[8] Para aprofundamento nesse
aspecto, consulte: MOLINARI, Maria Cláudia. Intervención Docente em uma situación de dictado a la
maestra. Buenos Aires: Colegio integral Martín Buber/Red
Latinoamericana de Alfabetización; outubro/1999.
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