O
CONTEXTO DE PRODUÇÃO
DOS TEXTOS [1]
Kátia
Lomba Bräkling
Produzir um texto — por escrito ou oralmente —
é uma atividade que
não acontece no vazio .
Ao contrário , orienta-se por todas as imagens
construídas pelo produtor
sobre o seu
interlocutor , a finalidade
colocada para o texto ,
o lugar social
do qual falará, o gênero
no qual o texto
se organizará, o portador no qual o texto
será publicado e o lugar no qual o texto , preferencialmente , circulará.
Da
mesma forma, esse texto será decorrente do lugar social que ocupa cada um dos
interlocutores: o especialista em política econômica, se estiver falando para
seus filhos sobre a necessidade de racionamento de energia, certamente fará um
discurso diferente daquele que faria para jornalistas, ainda que o tema seja o
mesmo. Quer dizer, o lugar social que ocupa cada um dos interlocutores nessa
situação comunicativa, também definirá os aspectos do tema sobre os quais se
falará, o tipo de linguagem, se o texto será mais argumentativo ou expositivo.
Para os filhos, ele poderá, por exemplo, apenas dar uma ordem sobre a
utilização de aparelhos elétricos, ou justificar pelo aumento do valor da conta
a ser paga no final do mês e a possibilidade de corte, caso seja ultrapassada a
cota possível; no entanto, para os jornalistas, muitas explicações sobre a
necessidade de racionamento precisarão ser oferecidas.
Dependendo
do lugar onde o texto circulará (na academia, na mídia impressa, no meio
literário, na mídia televisiva, na igreja, numa sala de aula de Ensino
Médio...) e do portador onde será publicado (livro, revista acadêmica, revista
popular, jornal (qual jornal e qual seção desse jornal), revista de economia,
panfleto, folheto de divulgação, out-door, folder, almanaque, página da
internet...) ele também terá características diferenciadas. Um artigo sobre a
questão do ataque, que aconteceu no último dia 11 de setembro, aos Estados
Unidos, certamente terá uma abordagem diferenciada se for publicado na seção de
política de um jornal, ou na seção de fatos diversos. Da mesma forma, um
artigo, sobre o mesmo assunto, ao ser publicado na seção de economia do jornal
A e do jornal B, terá que ter sua linguagem adaptada ao seu interlocutor. Ou
ainda, em função das restrições de espaço — de quantas linhas/colunas/caracteres
— o autor poderá dispor, quer dizer, em função do tamanho do artigo, os
argumentos serão selecionados e/ou descartados.
Por
outro lado, dependendo da finalidade que se tiver, um texto será organizado em
um gênero ou em outro. Por
exemplo: se se pretender convencer os leitores de que é necessário fazer o
racionamento de energia, um texto que argumente poderá ser mais eficiente do
que um texto que apenas exponha o problema ou do que um texto ficcional, que
conte uma história, quer dizer, um artigo de opinião ou um artigo assinado
poderão ser muito mais adequados à finalidade do que uma notícia ou uma
reportagem sobre o assunto ou do que um conto de fadas, considerando,
evidentemente, os demais aspectos já enfocados (características possíveis do
interlocutor, do portador, do lugar de circulação do textos, papel social dos
interlocutores).
Acrescente-se
a todos os elementos já mencionados a época em que o texto será escrito. Falar
sobre um ataque às torres do World Trade Center no caderno de economia, ou de
política, ou mesmo na seção de notícias sobre o mundo, faz sentido hoje. Há um
ano atrás, certamente, o lugar mais adequado seriam páginas de ficção. Falar de
racionamento de energia elétrica no Brasil, por sua vez, há alguns anos foi
considerado por alguns excesso de precaução, ou sensacionalismo exacerbado.
Falar sobre diversidade social hoje, não é a mesma coisa que há 50 anos: muita
reflexão e muito conhecimento já foi construído a respeito, possibilitando
novas informações e novos argumentos para a discussão do assunto.
Em
síntese, produzir um texto, oral ou escrito, supõe — ainda que não de maneira
consciente — a articulação de diferentes imagens construídas sobre o contexto
da situação comunicativa: sobre o interlocutor
(ouvinte ou leitor), sobre o lugar
social ocupado pelos interlocutores (pai, mãe, irmão, professor, tutor,
aluno, presidente, vereador, jornalista, tio, avô, cantor, músico, ator...),
sobre as instituições sociais nas
quais o texto circulará ( as econômicas e comerciais, como a FIESP, lojas,
shoppings; as políticas e governamentais, como o Senado, a Presidência da
República; a literária; a instituição acadêmico-científica, as instituições de
saúde; de repressão; a instituição escolar e a familiar; as instituições
midiáticas, como a imprensa escrita, o rádio, a televisão, a internet; as de
lazer); sobre os portadores (livros,
jornais, revistas, panfletos, folhetos de divulgação, por exemplo).
Estes fatores, articulados, ainda, às características do momento histórico da produção, aos objetivos colocados, quer dizer, aos
efeitos que procura produzir nos interlocutores presumidos, ao gênero no qual o texto será escrito
(notícia, reportagem, artigo expositivo, verbete, editorial, conto de aventura,
policial, cordel, conto de fadas, conto popular, poema, letra de música,
crônica, palestra, seminário, debate, classificados, entre outros), e às
possibilidades de conteúdos temáticos
a serem mobilizados, determinam as características do texto que será produzido:
a escolha lexical, o tamanho e a complexidade das orações, a forma de
relacionarmos suas partes, a utilização ou não de pronomes pessoais de primeira
ou segunda pessoa, o plano global do texto, a utilização dos tempos verbais, a
própria seleção dos conteúdos temáticos, a maior ou menor correção gramatical,
etc. Quer dizer: quando falamos ou escrevemos, sobretudo em situações mais
institucionalizadas, não falamos apenas como indivíduos isolados, sem nenhuma
restrição social ou, pelo menos, não deveríamos fazê-lo. Estamos, sempre, falando
de algum lugar social e assumindo algum dos papéis sociais que desempenhamos.
Estamos, inevitavelmente, ao organizar a nossa fala, oferecendo pistas para que
o outro construa uma imagem a nosso respeito. Sempre orientamos nosso discurso
por algum objetivo, qualquer que seja ele. Ao mesmo tempo, falamos para um
interlocutor que também está ocupando um determinado lugar social,
desempenhando um dos seus vários papéis sociais, que também ouve/lê (ou não) o
nosso discurso orientado por determinada finalidade. E essa atividade verbal
sempre acontece no interior de alguma atividade social para a qual normalmente
existem gêneros apropriados, com características próprias. Uma conversa de bar,
por exemplo, autoriza os falantes a utilizarem uma linguagem informal, menos
racional; já escrever uma resenha crítica sobre um espetáculo teatral para um
jornal bem conceituado, pressupõe a utilização de critérios racionais, aceitos
pela crítica em geral e pelo grupo social ao qual se dirige.
Concluindo,
podemos dizer que ao produzirmos um texto — oral ou escrito — este será mais ou
menos eficiente, dependendo da clareza que tenhamos sobre as imagens que temos
construídas sobre todos os elementos que constituem o contexto da situação
comunicativa. Muitos dos problemas que podemos vir a ter quando produzimos
textos, são decorrentes de imagens inadequadas ou não aceitas socialmente, e,
ainda, de um desconhecimento das características dos gêneros que devemos
utilizar. Se o conhecimento e as imagens sobre situações de comunicação e
gêneros do cotidiano, não-formais, portanto, são construídas ao longo da vida,
à medida que vamos participando dessas interações, o mesmo não acontece com
relação tanto às situações de comunicação mais formais quanto no que se refere
aos gêneros nelas utilizados. É na escola, com um ensino mais formal, que a
construção desse conhecimento ocorre.
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