Fonte:
Formando lectores e escritores
1º edición – Tandil -2004
Série: Cuadernos de Educación Y Prácticas Sociales
REFLEXÕES EM TORNO DO DITADO
PARA O PROFESSOR NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Laura Di Nucci e Ana Laura Isias
INTRODUÇÃO
Nossa meta neste trabalho é desenvolver o tema “Ditado para o professor”
como uma situação didática de escrita, através do fundamento conceitual e da
análise de um projeto implementado em uma sala de crianças de 5 anos.
A leitura e a escrita são práticas sociais, então ensinar a ler e
escrever implica comunicar estas práticas[1] desde o início da
escolaridade, conservando o sentido que tem fora da escola, mesmo quando se faz
isso com crianças que não sabem ler nem escrever no sentido convencional do
termo.
Por outro lado, o uso da escrita é um instrumento de tomada de
consciência e de auto- regulação intelectual e é também instrumento para o
desenvolvimento da construção do próprio pensamento[2]. Do ponto de vista da função epistêmica surge
a necessidade do contato com a escrita e a possibilidade de ser produtor de
escrita, de introduzir as crianças nos “fazeres” do escritor.
Concordamos com Ana Teberosky quando afirma que “para as crianças pequenas é possível
escrever textos inteiros antes de dominar a escrita adulta de palavras”. O
desafio é compor textos, não recortar esta unidade de linguagem em frases e
palavras isoladas.
“A inclusão dos alunos como participantes ativos da cultura escrita é
uma responsabilidade compartilhada entre os níveis iniciais de escolaridade e
do ensino fundamental. Há muito tempo se reconhece que a aprendizagem da
leitura e escrita se inicia muito antes que as crianças ingressem na escola e
que a educação infantil é um espaço fundamental para que esses processos sejam
objeto de trabalho com os alunos”[3]
A investigação e a experiência didática têm mostrado que os docentes de
todas as salas do nível inicial podem introduzir as crianças nas práticas de
leitores e escritores e articular
resultados deste ensino em
diferentes contextos socioculturais.[4]
Compartilhar esta responsabilidade com a escola não supõe que a educação
infantil assuma uma modalidade “escolar”. Tanto a organização particular de
seus tempos e espaços como as expectativas do que devem aprender são
diferentes.
A atenção aos aspectos da língua escrita como prática social supera a
preocupação de introduzir as crianças somente ao sistema alfabético,
tradicionalmente considerado a coisa mais importante quando se trata do acesso
a língua escrita.
Considerando isso, nos diversos modos em que as crianças são colocadas
em situações de aproximação com a
escrita, deve-se privilegiar os aspectos de busca, construção e distribuição de
significados.[5]
No interior destas atividades, conduzidas em grupo, se realizam
interações e intercâmbios verbais orientados para a construção de textos de
natureza diversa dirigidos a destinatários variados.[6]
O QUE É DITAR?
O ditado como prática social é uma prática com história.
O significado histórico que tem ditar a outras pessoas outorga sentido a
esta prática social, um sentido que a
escola deveria preservar quando comunica esta prática.
Se resgatarmos o que ocorreu com a prática de ditar a outros através do
tempo encontramos que o fenômeno da delegação da escrita se dá quando uma
pessoa que deveria escrever um texto ou subscrever um documento solicita a
outros que o façam por ele e em seu nome. Através dos séculos aparece a figura
do “escrevente delegado”. Num período histórico este papel é assumido por um
par da mesma classe social. Em outros momentos emergem profissionais da escrita
que assumem a função de um verdadeiro escrivão público.
A categoria dos “escreventes delegados” na história é uma categoria de
grande significado para o estudo do uso social da escrita. ”Constituiu um
espaço de intermediação e de transmissão entre o mundo da oralidade e o mundo da escrita”[7]
Como já foi mencionado se parte do pressuposto de que o ditado é uma
prática de escrita.
Ninguém pôs em dúvida a autoria dos textos de Borges em sua etapa de
cegueira.
“Ditar” é uma maneira particular de escrever, ainda que quem dita não
escreva com suas próprias mãos, sem dúvida é o autor do texto que está ditando.
“Rodriguez Monegal diferencia duas etapas na vida de Jorge Luis Borges:
a de escritor(a escrita de próprio punho) e a daquele que dita (a escrita
resultante da voz de Borges e a mão de outros, quando o escritor começou a
padecer de cegueira). Se tratava, neste segundo caso, de uma escrita em voz alta. Rodriguez Monegal sustenta que para um homem acostumado a usar uma
caligrafia minúscula, aquelas limitações foram radicais. Teve que aprender um
novo ofício, o de ditar. O escritor se converteu naquele que dita. Aprendeu penosamente a ensaiar cada
verso na cabeça. Quanto tinha o texto inteiro na memória, o ditava para sua mãe
e esta o lia e relia para ele (com pontuação e tudo) até que ele ficasse
satisfeito. Dois procedimentos diferentes, mas um mesmo autor”.
Ditar supõe então redigir oralmente um texto escrito e adequar o que se
dita a todas as restrições do tipo de texto que se está produzindo; usar as
formas e o léxico próprio do gênero, respeitar a estrutura que o caracteriza ou
transgredi-la para produzir algum efeito particular. [8]
Por outro lado, ditar supõe ter em conta alguns aspectos importantes.
Quem dita deve diferenciar entre dizer e dizer para ser escrito; deve controlar
a extensão da emissão ditada e ir recuperando a ordem seqüencial daquilo que
dita.
O Ditado ao professor: uma
situação didática possível.
A situação de ditar ao professor é uma atividade que costuma realizar-se
com freqüência na educação infantil. Sempre existem motivos: costuma-se ditar
cartas, contos, mensagens, convites etc. Propomos aqui outro olhar sobre esta situação e analisar
assim uma série de conteúdos que têm a ver com os fazeres do escritor e de quem
está ditando.
A situação de ditado ao professor traz como conseqüência a produção de
um único texto. Todos produzem um só texto.
No desenvolvimento da mesma atividade, o adulto recolhe o texto ditado
pelas crianças, “o coloca em letras”, o transcreve num cartaz a vista de todos,
tal como foi formulado por seus alunos.
Desta maneira, assim concebido, o texto (enquanto se escreve) pode
constituir-se em uma fonte de problemas, objeto de revisão, de possíveis
reformulações.
Ao ditar ao docente, as crianças centram seus esforços no processo de
produção das idéias e na forma de expressá-las por escrito. Podemos dizer que,
a partir do ditado ao professor, se podem compor diferentes tipos de textos com
diferentes propósitos, tais como:
·
As
regras de um jogo, as normas de uso de uma biblioteca.
·
Uma
carta para um amigo doente, uma petição, um agradecimento, para crianças de
outro lugar.
·
Um
texto informativo, uma notícia para publicar no jornal escolar.
·
Um
texto científico para completar um folheto.
·
Uma
resenha literária para publicar, um prólogo para um livro.
A situação que se analisará a seguir se deu dentro de um projeto
institucional cujo propósito consistia na revalorização de contos clássicos.
Foram lidas diferentes versões de diferentes contos tradicionais e se
tinha refletido sobre as características dos mesmos.
A professora propôs então para as crianças a produção de uma nova versão
do conto Chapeuzinho Vermelho, mudando o final
da história. Junto com isso propôs também a edição de um livro e a
incorporação deste à biblioteca da classe.
A partir desta proposta concreta as crianças sabem que vão escrever algo
que tem um destinatário real cuja atenção terão que prender usado recursos
característicos do gênero e têm claro
também que o produto final ocupará um espaço real na biblioteca junto
com livros reais.
Para começar esta situação de escrita, em primeira instância, houve a
necessidade de fazer acordos sobre as idéias que fariam parte da composição do
texto. Assim, a professora tomou nota dos fatos pontuais que levariam a
história adiante para evitar que perdessem o fio do que foi planejado. Isso é o
que chamamos de planificação do texto que se vai escrever.
Em outra instância começou a
tarefa de escrever o texto sob ditado. A atividade consistiu em ditar para o
professor esta nova versão de final de Chapeuzinho.
O professor frente aos seus
alunos em um grande cartaz foi escrevendo o que as crianças lhe ditavam.
Queremos compartilhar com vocês
agora, a produção final do grupo:
O LOBO SAIU
DISPARADO POR AQUELE CAMINHO QUE NA REALIDADE ERA O MAIS COMPRIDO. O LOBO HAVIA SE ENGANADO DE ATALHO.
CHAPEUZINHO CHEGOU
MAIS RÁPIDO NA CASA DA AVÓ E SE DERAM CONTA DE QUE O LOBO AS ESTAVA PERSEGUINDO
E SAIRAM CORRENDO. O LOBO VIU-AS E SEGUIU-AS.
A AVÓ E A
CHAPEUZINHO ENTRARAM RÁPIDO NA CASA. JUSTO A TEMPO QUE CHEGOU O LOBO LHE FECHARAM
A PORTA COM CHAVE E O NARIZ FICOU PRESO
E ESMAGADO ENTRE A PORTA E O BATENTE. A MAMÃE
DE CHAPEUZINHO ABORRECIDA SAIU PELA OUTRA PORTA E LHE DEUUMA VASSOURADA NO
TRASEIRO E O PAPAI FURIOSO TAMBÉM APROVEITOU PARA DAR-LHE UMA MARTELADA NA
CABEÇA.
O PAPAI ABRIU A PORTA E O LOBO DOLORIDO SAIU CORRENDO
E UIVANDO RÁPIDO PARA SUA CASA. E NUNCA MAIS LHE TEVE VONTADE DE PERSEGUIR NINGUÉM NO BOSQUE.
No processo que se
atravessa para chegar a esta versão final, analisaremos os conteúdos que
circularam nesta situação de ditado ao professor e quais intervenções do
professor tornaram possível que as crianças assumissem as práticas de ditante e
resolvessem problemas da escrita.
Este processo que
transcorre em alguns dias de trabalho está registrado em sua totalidade. Na
continuação analisaremos só alguns fragmentos que exemplificam como se põem em
jogo alguns conteúdos de ensino no transcurso da aula.
Em primeiro lugar
os exemplos referem-se ao que os ditantes fazem.
No segundo lugar,
os fragmentos referem-se ao que os escritores fazem.
Vejamos o primeiro fragmento:
Embora o ditado ao
professor seja uma atividade usada frequentemente com crianças pequenas, se nos
basearmos no explicitado anteriormente sobre o conceito de ditar, esta não é
uma prática simples para eles.
P[9]: Bom, como ponho? Quem me
dita? Me dita “na realidade era o caminho mais comprido”.
Manuel: Alfonso sabe ler.
P: Manu, não faz falta ler. Tem que me contar, tem que me dizer para que
eu escreva. Como colocamos? Relê NA REALIDADE ERA O CAMINHO... temos que por
que o lobo havia se equivocado (se refere à planificação).
Aqui se observa
como não é transparente para as crianças a prática de ditantes, é uma prática
que se aprende, e, a medida que se exerce, nos fragmentos do registro se poderá
observar como vão se apropriando dela.
Como vemos, as crianças não entendem o que é ditar. Quando Manuel disse que
Alfonso sabia ler, de fato é porque não entende que se espera dele quando lhe
dizem “me dita”.
No próximo
fragmento de registro se vê como os alunos vão se apropriando desse saber – a
diferença entre o que dizem como interlocutores e como ditantes - e vão tomando
decisões quando ditam:
P: “Que chegou o lobo”? Escrevo assim?
Ana – Não, estou te dizendo, ponha “chegou o lobo”
Os alunos decidem o que se escreve e o que não aquilo que se disse.
Aqui Ana, está
diferenciando “dizer” de “escrever”, está aprendendo a ditar. O professor com
suas intervenções gera a necessidade de distinguir entre a linguagem da
conversação cotidiana e a linguagem que se escreve.
Resulta
interessante comentar um problema que costuma apresentar-se quando o docente
intervém em uma situação de ditado, que se vincula com os conteúdos que se comunicam
no exemplo anterior.
O professor em seu papel
de “escrevente” também atravessa por um processo de aprendizagem, e no caminho
dessa aprendizagem se apresentam problemas. Aqui veremos um exemplo, muito
comum na hora de escrever sob ditado, no qual o professor tem o papel de
textualizar.
P: O que ponho?
Ana: que a avó e a chapeuzinho entraram rápido na casa...
P: (ler e escrever) A AVÓ E A CHAPEUZINHO... como era Ana?
Ana: entraram rápido na casa.
Neste caso, o aluno não compõe o texto para ser escrito, simplesmente o
diz e a professora o textualiza por ele
(suprime o “que”), não devolve o problema para os alunos. Não há intervenções
específicas para que os alunos diferenciem o que se diz do que se escreve.
Nestas situações os
alunos também aprendem a coordenar os tempos do ditante e do escriba no
transcurso da produção. Vejamos algumas passagens onde isso se observa.
Guilhermo: lhe fecharam a porta quando o lobo estava vendo por onde....
P: para, não posso escrever tão rápido (escreve e lê ao mesmo tempo) LHE...
FECHARAM... A PORTA.
Guille: lhe fecharam a porta com
chave.
P: Para, CHARAM…
Todos:… A... PORTA… COM... CHAVE
Em outra oportunidade se apresenta uma situação em que se observa como
os alunos se apropriam do ritmo de ditado.
P: (relê) O PAPAI TAMBÉM APROVEITOU PARA DAR-LHE... como continuamos?
Todos: (ditando) UMA ... MARTE...
LADA ... NO ... TRASEIRO.
Aos poucos, os
alunos vão ajustando a velocidade do ditado no ritmo do escriba ou mudam o tom
de voz para anunciar que estão deixando de comentar para começar a ditar (voz
ditante).
APRENDER PRÁTICAS DO ESCRITOR
Junto aos fazeres
específicos das práticas do ditante, os alunos também aprendem outros fazeres e
conteúdos vinculados com a prática do escritor.
Veremos aqui
exemplos relativos a:
- Intervenção do docente para que os alunos
consigam a adequação do léxico ao gênero que se escreve.
- Intervenção do docente que leva os
alunos a resolver um problema de repetição de palavras em um texto.
Como se mencionou anteriormente, ditar um
texto supõe adequar o que se dita a todas as restrições do tipo de texto que se
está produzindo: usar as fórmulas e o léxico próprios do gênero. Vejamos um
exemplo:
P: Como saiu o lobo?
Ana: Voando
P: Voando?
Bauti: Não, correndo. A los golpes... Rajando.(Mantida em espanhol)
P: Correndo? Somente correndo?
Sol A: E o papai perseguiu-o.
P: Somente correndo?
Ramiro:
Rajando (mantida em espanhol)
P: Ramiro, “rajando”, é uma palavra que
usamos em um conto ou usamos para falar?
Todos: Não!!!!!!
Guille: Sim,
pode aparecer para que possa sair.
P: Nos contos?
Todos: Não
P: Além de correndo? Como mais?
(uma criança faz som de uivos)
Outros crianças: uivando
P: colocamos uivando?
Vários: Sim
P: Vamos ver...”saiu correndo e uivando rápido para sua casa.
Quando um dos
meninos propõe “
rajando” , a professora intervém para que todos reflitam sobre a
pertinência ou não deste vocábulo em um conto tradicional; é uma maneira de
assegurar-se de que o texto que estão escrevendo se “pareça” com os textos do
mesmo gênero que circulam socialmente[10].
Neste fragmento se
vê, além disso, intervenções específicas que levam as crianças a “pensar” em
agregar modificadores ao verbo ou ao substantivo para enriquecer o relato e não cair numa história pobre em recursos literários. (Uivando,
correndo, aos golpes).
Continuando o
registro, em outra passagem onde aparece uma situação similar sobre as atitudes
da mamãe e do papai da Chapeuzinho, as crianças voltam a utilizar esse
procedimento.
No trecho de
registro seguinte se incorpora uma estratégia
não conhecida pelas crianças para evitar as repetições: o uso dos sinônimos.
Isto aconteceu no momento de revisão do texto completo, uma semana depois.
P: (Relê) ... vejamos, Mercedes diz que aí estamos dizendo
o mesmo.
Ana: Repetimos, “caminho” é o problema.
P: Ah!
Vamos ver outra palavra que diga caminho?
Alfon: Lobo.
P: Esperem, vamos ver este. Outra palavra
que signifique caminho e que não seja esta.
Alfon: Parecida? Não tem.
P: Olhem,
por exemplo, se vocês querem dizer… “casa” se pode dizer “lar”, se pode dizer “domicílio”,
“moradia”. São sinônimos de casa. Em “caminho”, poderá haver outra palavra?
Todos pensam e alguns respondem: “caminito”(caminhozinho).
P: Não
haverá nenhuma outra palavra? Caminhozinho, caminho. Você, Alfonso, conhece alguma?
Não há resposta.
P: Faço-lhes uma pergunta, conhecem a palavra
atalho[11]?
Alguns: Não
P: O que significa atalho?
(Estão confusos)
Ana: Um caminho que tem um pouco de subida.
P: Um caminho que tem um pouco de subida, diz
Anita. Alguém acha que a palavra “atalho” é um pouco como “caminho”? Vocês nunca ouviram?
N: Não
P: Vou
lhes dizer que sim: atalho significa caminho, um caminho mais sinuoso, mais estreito;
assim que “atalho” podemos usar, em vez
de “caminho”. Vamos experimentar?
Sol A: Eu tenho um atalho na minha casa.
Ana: ¡Ah! Sim! Às vezes os atalhos estão
entre árvores… ou às vezes quando sobem a serra...
Vários: ¡Sim, há atalhos!
P: Ah! Viram? Caminhozinhos
por onde se anda.
Bauti: Em meu campo(sítio?) há atalhos.
Ramiro:
E no meu também.
P:
Vamos ver como fica. (Lê)… O LOBO SAIU DISPARANDO POR AQUELE CAMINHO QUE NA
VERDADE ERAO MAIS COMPRIDO O LOBO HAVIA
SE ENGANADO DE…
Vários:
atalho!
p: Vamos
por. Está bem? Estão de acordo até aí?
N:
Sim.
Neste fragmento se pode observar que, quando as crianças se dão conta da
repetição de “caminho”, o professor mostra um procedimento diferente para
resolver o problema: o uso de sinônimos. Em situações similares outros
procedimentos tinham sido utilizados: substituição por pronomes e elipses.
É comum que o professor, na hora de transcrever o que as crianças ditam,
resolva ela própria todos os problemas da escrita, tais como os anteriormente
mencionados, perdendo assim uma maravilhosa oportunidade de trabalho com a
língua escrita,totalmente possível nessa idade.
É importante, então, tomar esses problemas que se apresentam e
devolvê-los ao grupo para que as crianças utilizem estratégias diferentes na
hora de solucionar problemas de escrita.
Estas situações analisadas, tanto as que têm que ver com os processos de
textualização como aquelas de caráter mais discursivo como a coerência, os
problemas de repetição de palavras em um texto, etc, dificilmente seriam objeto
de reflexão em outra situação didática de escrita. Nesta idade, uma criança,
ainda que possa escrever por si mesma, não faria por si mesma reflexões desse
teor. Delegar ao professor o papel de escriba permite às crianças concentrar a
atenção em questões de escrita como as mencionadas.
Considerações finais
Algumas condições gerais para realizar essa
prática:
- Antes de propor uma situação
de ditado ao professor é importante explorar vários textos do mesmo gênero
daquele que se vai escrever. Desta maneira, as crianças estarão imersos nas características do léxico
correspondentes a esse gênero,
estrutura, propósito, etc. Não é a mesma coisa escrever um conto (gênero
familiar no nível inicial) e uma notícia.
- É importante, antes de começar a produzir o texto, explicitar o
propósito e o destinatário do texto e fazer acordos sobre o conteúdo do
que se vai escrever. Isso ajuda a que a produção não tenha que desviar-se
por diferentes caminhos perdendo a coerência ou o seu propósito.
- Todos os membros do grupo (inclusive o professor) têm direito a
fazer propostas referentes à escrita de cada parte do texto e de como
escrever. E muito importante conseguir acordos sobre o que se aceita e o
que não. É comum escutar as propostas de algumas crianças e avançar
inconscientemente com um grupo
reduzido de alunos que vão combinando naturalmente as idéias. Ou validar reiteradamente a mesma voz.
Também ocorre, por ser uma situação com uma forte participação oral, que
algumas “vozes” nunca sejam ouvidas. Muitos de nossos alunos não pedem a
palavra, mas, de fato, dão sua opinião, se lhes dermos espaço.
- A escrita na frente do grupo, à vista de todos. Uma folha grande de
papel ou uma lousa ajudam a dar visibilidade
para grupo inteiro que esta ditando. Esta condição esta intimamente
relacionada com a apropriação de conteúdos do sistema notacional como
também com os processos de revisão e correção. O uso de cores diferentes
na revisão ajudam a visualizar as idas e vindas que um escritor realiza
quando compõe um texto.
- Os tempos. Não e uma situação didática que sempre possa realizar-se
em uma única aula. O acordo de idéias, o planejamento do texto em si,
talvez ocupe um primeiro encontro.
Quando se vai produzindo a escrita do que as crianças ditam, ao
estarem impossibilitados de ler convencionalmente por seus próprios meios,
é o professor quem assume o papel de reler tantas vezes quantas forem
necessárias para resolver uma situação e isso é muito cansativo para eles. É importante saber a hora de interromper e retomar a situação poucos
dias depois.
- Finalmente, cumprir os propósitos faz com que se situe a escrita
como uma prática social verdadeira e não meramente escolar. Se a proposta
era fazer outra versão de um conto, é vital que esse conto seja editado e
colocado na biblioteca. Se vamos escrever um convite, que esse convite seja enviado
a quem de direito, etc
Palavras finais:
O ditado ao professor oferece a possibilidade de incluir os alunos do nível
inicial como participantes da cultura escrita por meio de situações de
aproximação a ela. E, por outro lado, de
ressignificar o ditado ao professor (tão usado no nível inicial) como
uma situação recheada de possibilidades para “colocar” as crianças em posição
de escritores reais e com propósitos concretos.
Outra questão importante a resgatar é que o professor ensina a ditar.
Diferenciar entre “dizer” e “dizer para ser escrito” implica um processo de
construção que favorece, a partir de intervenções docentes específicas, que a
criança seja o verdadeiro autor do texto e esta situação se transforme assim em
uma situação de aprendizagem, reflexão e discussão sobre os problemas da
linguagem escrita.
Por isso é uma situação valiosa quanto às possibilidades de aprendizagem
dos fazeres de escritor. Seja para
aqueles que ainda não escrevem convencionalmente (problema que se delega a quem
transcreve), seja para aqueles que já o fazem, mas necessitam outras instancias
de reflexão. (E:G:B)
Da mesma forma, tomar consciência de que tipos de intervenções docentes são fundamentais
para as crianças refletirem sobre as questões da linguagem escrita para que
estas se transformem em objeto de conhecimento.
Ditar a outros é uma prática
social com significação histórica que a instituição escolar assume como pratica
de escrita a ser ensinada desde o início no Nível Inicial. Não obstante,
escrever em voz alta é uma situação didática para se propor em toda a
escolaridade, já que envolve aprendizagens específicas quanto aos fazeres
do escritor.
BIBLIOGRAFIA
Castedo Mirta e outros. Propuestas para el aula. Material para docentes.
Inicial. Ministerio de Educación de La Nación 2000.
Lerner Delia
(coord.) Prácticas del Lenguaje.
Prediseño curricular. GCBA, 1999.
Lerner Delia. Lectura y Escritura. Apuntes desde la
perspectiva curricular. Textos en Contexto No 4. Revista Lectura y
Vida, 1999
Pascucci – Rossi
(2001) Ressegna di Psicologia No 1. “Non solo escriba” (Art)
Petrucci A. Alfabetismo,
escritura y sociedad. Col. LEA. Barcelona.
Teberosky, A. Y los
dictantes? En Aprendiendo a Escribir.
Cuadernos de Educación No 8.
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