o processo de Produção de
Textos[1]
Kátia
Lomba Bräkling
Considerações Iniciais
Todos
sabemos que hoje as demandas sociais colocadas requerem cidadãos capazes de
exercer plenamente a sua cidadania. Nas sociedades atuais, isso implica saber
analisar criticamente as realidades sociais e organizar a ação para intervir
nessa realidade. Quer dizer, a sociedade de hoje, precisa poder contar com
cidadãos atuantes, e não passivos; cidadãos que não se limitem a observar a
realidade, mas que nela saibam agir; que saibam examinar os fatos, articular
acontecimentos, prever possíveis conseqüências dos mesmos para a qualidade da
vida das pessoas, da cidade, do país, do planeta.
Na
sociedade da informação, isso significa, por um lado, saber lidar com a informação, que tem várias naturezas —
matemática, científica, filosófica, artística, religiosa, por exemplo —, e vem
de várias fontes e por vários caminhos — mídia impressa, radiofônica e
televisiva, meio acadêmico, internet, entre outros. Lidar com a informação
significa apropriar-se de formas de obtenção da informação para conhecer o
real, de procedimentos que permitam o reconhecimento da pertinência e
idoneidade da informação, e de recursos que possibilitem a divulgação da
informação.
Por
outro lado, exercer plenamente a cidadania significa saber agir utilizando a informação.
Em
uma sociedade letrada, obter informações, analisá-las criticamente, saber
divulgá-las e agir utilizando essas informações passa pelo domínio de um objeto
social fundamental: a linguagem escrita.
Quando
se fala em domínio da linguagem escrita fala-se em saber lidar de maneira
proficiente com todos os conhecimentos com os quais se opera nas práticas de
linguagem. Quer dizer, fala-se em ler e escrever utilizando os procedimentos e
estratégias que conferem maior eficácia aos textos produzidos e às leituras
realizadas.
Em
outra oportunidade, discutimos o que isso pode significar quando nos referimos
à leitura. Agora, vamos priorizar o processo de produção de textos escritos.
Produzir textos: uma prática social
Assim
como a leitura, a produção de textos escritos é uma prática de linguagem e,
como tal, uma prática social. Quer dizer: em várias circunstâncias da vida
escrevemos textos, para diferentes interlocutores, com distintas finalidades,
organizados nos mais diversos gêneros, para circularem em espaços sociais
vários.
Por
exemplo: se lermos um jornal e o tratamento recebido por determinado assunto em
uma determinada matéria nos causar indignação — ou mesmo admiração — é possível
escrevermos uma carta para o jornal manifestando nossa forma de pensar a
respeito.
Se
quisermos divulgar um serviço que prestamos, é possível escrevermos um anúncio
para uma revista, para um site determinado, para um jornal; ou um folheto de
propaganda para ser distribuído na saída do metrô, ou, ainda, é possível
organizarmos um outdoor para veicular informações a respeito do serviço nos
lugares que se espera que circulem potenciais interessados no mesmo.
Se
pretendermos divulgar dados organizados de determinada pesquisa que realizamos
sobre os problemas textuais que costumam ser encontrados nas produções de
alunos de ensino médio, assim como as conclusões a que chegamos a respeito de
possíveis razões desses problemas, podemos escrever um artigo
acadêmico-científico, para ser publicado em uma revista ligada ao tema em
questão — ou um livro — que circule no espaço no qual essa discussão interesse.
Se
quisermos ter notícias de um ente querido que se encontra distante de nós
geograficamente, podemos escrever uma carta, ou enviar uma mensagem por e-mail.
Se
desejarmos informar um possível contratante sobre nossa formação e experiência
profissional para que ele possa avaliar se correspondemos às expectativas que a
empresa tem para um provável funcionário,
podemos elaborar um currículo.
Como
se pode ver, produzimos textos em diferentes circunstâncias. A cada
circunstância correspondem:
a)
finalidades diferentes:
manifestar nossa forma de pensar a respeito de determinada matéria lida;
divulgar determinados serviços buscando seduzir possíveis clientes; convencer a
respeito de determinadas interpretações de dados; obter notícias sobre um ente
querido; informar sobre sua qualificação profissional;
b)
interlocutores diversos:
leitores de um determinado veículo da mídia impressa (jornal, revista);
transeuntes de determinados locais (vias de circulação, estação de metrô, por
exemplo); leitores de determinada revista acadêmico-científica ou de
determinado tipo de livro; um parente próximo ou um amigo; um possível
contratante;
c)
lugares de
circulação
determinados: mídia impressa; academia; família ou círculo de amizades;
determinada empresa (esfera profissional); vias públicas de grande circulação
de veículos e pessoas;
d)
gêneros
discursivos
específicos: carta de leitores; anúncio; folheto de propaganda; outdoor; artigo
acadêmico-científico; carta pessoal; currículo.
Quer
dizer: escrever um texto é uma atividade que nunca é a mesma nas diferentes
circunstâncias em que ocorre, por que estas se caracterizam por diferentes
condições que determinam a produção dos discursos. Essas condições referem-se,
entre outros, aos elementos apresentados acima. Mas não apenas a eles. Um outro
aspecto a ser considerado é o lugar do qual se escreve.
Todos
desempenhamos diferentes papéis na vida: o de mãe/pai, de filho/filha, de
irmão/irmã, de associado de determinado clube, de consumidor de determinado
produto, de cidadão brasileiro, o relativo à profissão que exercemos
(professores, médicos, dentistas, vereador, escritor, revisor, feirante,
digitador, diretor de escola etc), entre outros. Cada um desses papéis
estabelece entre nós e aqueles com quem nos relacionamos determinados vínculos,
que implicam em responsabilidades assumidas, pontos de vista a partir dos quais
os acontecimentos são analisados, recomendações são feitas, atitudes são
tomadas...
Ainda
que esses papéis se articulem todo o tempo, dado que são todos constitutivos do
sujeito, e que, dessa forma, influenciem-se mutuamente, quando assumimos a
palavra para dizer alguma coisa a alguém, um desses papéis predomina, em função
das demais características do contexto de produção (sobretudo, do lugar de
circulação do discurso e do interlocutor presumido).
Por
exemplo: um cineasta, quando em uma conferência acadêmica, ao analisar
determinado filme, certamente produzirá um discurso permeado por análises
técnicas e históricas. Isso ocorrerá não só porque o discurso será uma
conferência, que poderá ter como interlocutores estudantes ou outros cineastas,
ou porque circulará na esfera acadêmica, tendo, portanto, que adequar-se a
estas condições, mas também porque o cineasta não poderá, nestas condições
enumeradas, produzir o discurso a partir do lugar de pai, por exemplo, ou de
amigo de determinado empresário do ramo, sob pena de não ser eficaz.
Se
estiver conversando com amigos não cineastas em um encontro casual, ao
contrário, o contexto de produção dado lhe permitirá assumir o lugar de
expectador/apreciador dessa arte e seu discurso, certamente, não terá a mesma
organização, nem a mesma escolha lexical, podendo ser mais descontraído, menos
comprometido com argumentações severas e coerentes com determinadas posições
teóricas. E isto por causa de todas as condições de produção citadas,
incluindo-se nestas, o papel social de onde fala o produtor.
Da
mesma forma, se a uma pessoa for solicitado um discurso recomendando a redução
do consumo de energia elétrica, este não será o mesmo, caso seja produzido a
partir do lugar de deputado federal, de industrial do ramo da produção de
lâmpadas, ou do lugar do pai que discursa a seus filhos. Os argumentos serão
diferentes, inclusive (embora não apenas por este motivo), porque a relação
constituída entre os interlocutores instituiu compromissos diferenciados entre
eles.
Ser
um escritor proficiente, portanto, significa saber lidar com todas as características
do contexto de produção dos textos, de maneira a orientar a produção do seu
discurso pelos parâmetros por elas estabelecido.
Escrita: um processo individual e dialógico
Assim
como a leitura, o processo de escrita é tanto uma experiência individual e única, quanto interpessoal e dialógica. É individual e única porque o processo de
produção de um texto implica escolhas pessoais quanto a o que dizer e a como
dizer: a seleção de tópicos a serem apresentados, das palavras a serem
utilizadas, dos enunciados a serem organizados são escolhas do produtor do
texto, que refletirão seu estilo pessoal de dizer.
Escrever
é um processo interpessoal e dialógico porque todo texto sempre se relaciona,
de alguma forma, com os textos já produzidos anteriormente: no que se refere ao
que se pode dizer por meio de determinados gêneros; no que tange à forma de
dizer (escolhas lexicais típicas do gênero, expressões usuais que acabam por
caracterizar os mesmos, por exemplo); no que se relaciona aos textos produzidos
e seu conteúdo, que podem marcar época, constituindo-se como referências; com
os gêneros, propriamente, que também são construções históricas, e, dessa
forma, modificam-se, caem em desuso, são criados.
No
século XVII, por exemplo, era comum quando se pretendia visitar um parente ou
amigo — ainda que residentes na mesma cidade — escrever-se uma carta e enviá-la
em mãos, com a finalidade de avisá-los de sua visita. Hoje em dia, essa prática
caiu em desuso — e com ela a situação de utilização do gênero — tendo sido
substituída por um telefonema, por exemplo.
As
tecnologias digitais, por outro lado, acabam por criar novas possibilidades de
interlocução escrita com pessoas distantes geograficamente umas das outras: por
e-mail, enviando-se mensagens que ora se assemelham a bilhetes, ora a cartas,
em tempo não real, ou, ainda em chats, nos quais se pode conversar em tempo
real com pessoas dos lugares mais longínquos do planeta. Criam-se, assim, se
não novos gêneros, pelo menos modificações nos gêneros já existentes.
Uma
carta de amor, por exemplo, possuía fórmula de iniciação e de conclusão muito
diferentes no século XVII e atualmente. Dificilmente uma jovem hoje receberia
uma carta que se iniciasse com a expressão Estimada
Senhorita (ou Caríssima senhorita),
ou que terminasse com a expressão Com votos de consideração e estima.
Na
literatura, por exemplo, os poemas concretos passaram a existir a partir de
determinada época, como resultado de necessidades estéticas historicamente
construídas em um determinado período; por não corresponderem também às
necessidades estéticas que se foram colocando, gêneros como as cantigas de
amigo, por exemplo, típicos da idade média, foram sendo preteridos pelos poetas
e literatos.
As
crônicas esportivas também foram gêneros que se constituíram em épocas recentes
e apenas em determinadas culturas, como a brasileira. Na Suécia, por exemplo,
este não é um gênero presente.
Por
outro lado, há textos que se referem a outros já escritos, chegando, até, a
conter citações explícitas. Há poemas e vários textos literários que fazem
referências a textos anteriormente escritos, assim como artigos de opinião,
crônicas, contos, da mesma forma que há os textos acadêmicos, para os quais as
referências são fundamentais, até como forma de explicitar argumentos ou
contra-argumentos na defesa de determinada posição ou teoria. A este fenômeno
denominamos intertextualidade.
Enfim,
os textos que produzimos são resultantes das escolhas que fazemos quanto a o que dizer e a como dizer em função das condições de produção colocadas. Essas
escolhas não são aleatórias, mas determinadas historicamente. Quer dizer, em um
dado momento histórico há um conjunto de possibilidades disponíveis e é no
interior desse conjunto que as nossas escolhas pessoais são feitas.
Parte
dessas possibilidades relacionam-se aos gêneros
do discurso.
Gêneros do discurso e textos
Os
gêneros são formas de enunciados produzidas historicamente, que se encontram
disponíveis na cultura, como notícia, reportagem, conto (literário, popular,
maravilhoso, de fadas, de aventuras...), romance, anúncio, receita médica,
receita culinária, tese, monografia, fábula, crônica, cordel, poema, repente,
relatório, seminário, palestra, conferência, verbete, parlenda, adivinha,
cantiga, anúncio, panfleto, sermão, entre outros.
Qualquer
manifestação verbal organiza-se, inevitavelmente, em algum gênero do discurso,
de uma conversa de bar a uma tese de doutoramento, quer tenha sido produzida em
linguagem oral ou linguagem escrita.
Os
gêneros podem ser identificados por três características fundamentais: o tipo
de temas que podem veicular, a sua forma composicional e as marcas lingüísticas
que definem seu estilo.
As
diferentes manifestações verbais concretizam-se em textos — orais ou escritos —
organizados nos gêneros. Estes referem-se, portanto, a famílias de textos que possuem características comuns.
Não
é qualquer gênero que serve para se dizer qualquer coisa, em qualquer situação
comunicativa. Se alguém pretender discutir uma questão controversa como a
descriminalização das drogas, ou como a adequação da institucionalização da
pena de morte como forma eficiente de combate à criminalidade, precisará
organizar o seu discurso em um gênero como o artigo de opinião, por exemplo. É
o gênero que pressupõe a argumentação em favor de questões controversas,
mediante a apresentação de argumentos que possam sustentar a posição que se
defende e refutar aquelas que forem contrárias à que se defende.
Se
a finalidade, por outro lado, for relatar a um grande público um fato
acontecido no dia anterior, a notícia poderá ser o gênero escolhido. Se o que
se pretende é orientar alguém na realização de determinada tarefa, poderá
escrever um manual, por exemplo, ou relacionar instruções. Se se deseja
apresentar algum ensinamento utilizando situações exemplares protagonizadas por
animais selecionados de acordo com a possibilidade de representarem
determinadas características humanas, então, a fábula é o gênero mais adequado.
Portanto,
saber selecionar o gênero para organizar o seu discurso implica conhecer suas
características para avaliar sua adequação às finalidades colocadas para a
situação comunicativa, ao lugar de circulação, e a todo o contexto de produção
determinado.
Pode-se
mesmo afirmar que o conhecimento que se tem sobre um gênero determina as
possibilidades de eficácia do discurso.
Dessa
forma, a proficiência do aluno em língua portuguesa depende também do
conhecimento que tem sobre os gêneros e sua adequação às diferentes situações
comunicativas. Suas características, portanto, devem ser objeto de ensino,
precisam ser tematizadas nas atividades de ensino.
Os procedimentos de escrita
Além
desse conhecimento, escrever pressupõe o domínio de determinados procedimentos:
saber planejar o que se vai escrever em função das características do
contexto de produção colocado, saber redigir o que foi planejado, saber revisar
o que foi escrito — durante o processo mesmo de escrita e depois de finalizado
—, e saber reescrever o texto produzido e revisado.
Tais procedimentos precisam ser sempre articulados
no processo de escrita, e esse é uma outra competência que também precisa ser
constituída.
Nesse
processo, conhecimentos de várias naturezas entram em jogo:
a) discursivos (relativos às
características do discurso, como características do gênero no qual o texto
será organizado, do contexto de produção especificado, por exemplo);
b) pragmáticos (relativos às
especificidades da situação de comunicação e às diferentes práticas sociais de
escrita);
c) textuais (relativos à
linearidade do texto, em si: à sintaxe, pontuação, coesão e coerência);
d) gramaticais;
e) notacionais (relativos ao
sistema de escrita).
O aprendizado na escola
A
atividade de escrita, como vimos, supõe conhecimento dos gêneros. Uma das
razões que podem justificar as dificuldades de produção (ou de compreensão) de
textos que todos nós temos, é a falta de domínio de um gênero — e de seu
contexto de circulação — com o qual não tivemos muito contato ou que, até
mesmo, desconhecemos.
É
preciso considerar que podemos não aprender todos os gêneros que circulam nos
diferentes grupos sociais que freqüentamos. Podemos freqüentar a esfera
jornalística, por exemplo, sem que isso signifique que saibamos produzir um
artigo de opinião, ou uma reportagem; podemos circular pelo meio literário sem
que isso signifique que sejamos escritores romancistas ou poetas.
É
preciso reconhecer, ainda, que não freqüentamos todas as esferas sociais. Há os
que não freqüentam o meio acadêmico, ou o religioso, por exemplo.
Afirma
Bakhtin que
“Muitas
pessoas que dominam muito bem a língua se sentem, entretanto, totalmente
desemparadas em algumas esferas de comunicação, precisamente porque não dominam
os gêneros criados por essas esferas. Não raro, uma pessoa que domina
perfeitamente o discurso de diferentes esferas da comunicação cultural, que
sabe dar uma conferência, levar a termo uma discussão científica, que se
expressa excelentemente em relação a questões públicas, fica, não obstante,
calada ou participa de uma maneira muito inadequada numa conversa trivial de bar. Nesse caso, não
se trata da pobreza de vocabulário nem de um estilo abstrato; simplesmente
trata-se de uma inabilidade para dominar o gênero da conversação mundana, que
provem da ausência de noções sobre a totalidade do enunciado, que ajudem a
planejar seu discurso em determinar forma composicionais e estilísticas (gêneros)
rápida e fluentemente; uma pessoa assim não sabe intervir a tempo, não sabe
começar e terminar corretamente (apesar desses gêneros serem muito simples)”.
(Bakhtin , M.
M.(1952/53). Os gêneros do discurso. In Estética da criação verbal. Martins Fontes, São Paulo. 1992.)
Como
se vê, a aprendizagem da linguagem é constante, pois sempre será possível nos
encontrarmos em situações nas quais deveríamos utilizar gêneros que não
conhecemos tão bem, ou até que desconhecemos.
Assim,
se não tivermos acesso a determinados gêneros e a sua aprendizagem for
fundamental para a nossa formação, precisamos aprendê-lo. E é aqui que entra a
escola: é preciso que ela assuma a tarefa de ensinar a seus alunos as
características dos gêneros mais complexos, que não são aprendidos
espontaneamente nas situações do cotidiano, pois quanto maior for o domínio que
tivermos sobre os gêneros e quanto mais gêneros conhecermos, maior facilidade
de compreensão e de produção de textos teremos, maior será a possibilidade de
atingirmos nossos objetivos discursivos.
Além
disso, é preciso que a escola organize situações de aprendizagem que tematizem
questões relativas à natureza da escrita — sua dialogicidade e inter-relação
contínua com outros textos; aos procedimentos de escrita; aos conhecimentos
envolvidos no processo de produção de textos.
Poderíamos
dizer, nessa perspectiva, que a escola deve criar situações de aprendizado nas
quais os alunos possam:
a) compreender a
natureza da linguagem;
b) compreender,
conhecer e participar de práticas de linguagem que se realizam em instâncias
públicas de comunicação, que sejam relevantes para o exercício da cidadania;
c) compreender as
características dos gêneros do discurso que circulam em instâncias públicas de
linguagem, que sejam relevantes para o exercício da cidadania;
d) compreender que
o discurso produzido será tão mais eficaz quanto mais adequado for às
características da situação de comunicação e do gênero do discurso;
e) conhecer e
ajustar o seu discurso às características do contexto de produção e circulação
previstos;
f) utilizar
procedimentos de escrita, articulando-os, de modo a tornar o texto mais eficaz;
g) utilizar os
conhecimentos lingüísticos — textuais, gramaticais, notacionais — pra escrever
textos eficazes.
Mas
essa é uma tarefa a ser desenvolvida apenas em língua portuguesa?
É
comum ouvirmos dizer que o trabalho com a leitura e a escrita deve ser
desenvolvido em todas as áreas. Mas o que significa isso, de fato?
O
que é preciso saber, inicialmente, é que o trabalho com os conteúdos das demais
áreas não são independentes da linguagem verbal. Ao contrário, organizam-se
nela, invariavelmente.
Assim,
se um professor de história pretende que seu aluno discuta se o descobrimento
do Brasil aconteceu por acaso ou intencionalmente, precisa saber que esse aluno
deverá ter algum conhecimento a respeito do gênero no qual o seu texto — oral
ou escrito — se organizará (um artigo de opinião, se for escrito, por exemplo,
ou um debate, se for oral), por que senão, o resultado poderá não ser fiel ao
conhecimento da área que ele possuir, quer dizer, pode ser que ele não realize
a tarefa proposta não porque não consiga se posicionar a respeito da questão,
mas porque não tenha domínio do gênero. Assim, ao professor da área caberá
conhecer as operações envolvidas na produção desse texto (argumentação,
refutação, negociação, definição de posição, por exemplo), para poder
reconhecer qual a dificuldade enfrentada pelo aluno — se relativa ao conteúdo
ou ao gênero — e poder orientá-lo.
Da
mesma forma, é preciso saber qual a especificidade dos gêneros que circulam na
área de Matemática para poder auxiliar o aluno na sua produção e
leitura/escuta, conseguindo identificar quando as dificuldades apresentadas
referem-se a outros conteúdos e quando se relacionam com as questões da
linguagem verbal específica da área. Ler uma situação- problema, por exemplo,
ou produzir uma (por escrito ou oralmente), não é uma questão apenas de
matemática, estrito senso; é preciso conhecer o gênero: saber que ele tem que
ser organizado para propor um problema a ser resolvido pelo outro; saber
resolver o problema, para antecipar se é possível decifrá-lo; escrevê-lo com o
grau de dificuldade adequado ao interlocutor; saber como se organiza do ponto
de vista discursivo (considerações e condições iniciais, negociação,
apresentação da questão-problema, por exemplo), entre outros aspectos.
Ler
um artigo expositivo, um artigo (ou um verbete) enciclopédico, por exemplo, em
ciências ou geografia, também requer habilidades e conhecimentos que não se
limitam ao conhecimento mais específico das áreas. É preciso conhecer como se
organizam tais gêneros para lê-los e produzi-los. E o professor, em conhecendo
tais características poderá, sem dúvida, auxiliar melhor o aluno no processo de
estudo.
Nessa
perspectiva, cabe ao professor tomar como objeto de ensino os aspectos
mencionados acima e utilizá-los na sua intervenção.
A definição dos conteúdos
De
maneira geral, podemos dizer que os conteúdos de ensino de língua portuguesa
precisarão ser definidos em função das necessidades de aprendizagem dos alunos
— que se articulam com as finalidades educativas definidas no projeto
pedagógico da escola — e das possibilidades de aprendizagem colocadas (que se
definem em relação ao grau de complexidade do objeto de ensino e em relação á
dificuldade colocada para a tarefa a ser realizada).
Os
conteúdos de escrita, nessa perspectiva, devem ser definidos de maneira que
possam ser revisitados ao longo do Ensino Fundamental, de maneira que a cada vez
que forem trabalhados, possam ser tratados com maior aprofundamento, com maior
sistematização, permitindo que, por meio de sucessivas aproximações, o aluno vá
se apropriando de conhecimentos que o tornem um melhor escritor.
O
fundamental, no ensino de língua portuguesa, é que as práticas de escrita que
se realizam fora da escola freqüentem a sala de aula, de modo a possibilitar ao
aluno o aprendizado de todos os conhecimentos com os quais se opera nessas
situações. É isso que poderá possibilitar a ele a construção de sua
proficiência escritora.
Uma
recomendação é imprescindível: que o professor, ao organizar a atividade de
escrita, apresente ao aluno (ou defina com ele) as características do contexto
de produção (para quem escreverá, com qual finalidade, de que lugar escreverá,
onde circulará o texto, em que portador será publicado, em qual gênero deverá
ser organizado o texto). Essas características colocam restrições aos textos —
determinando escolhas — as quais devem ser respeitadas, sob pena de o texto resultar
ineficaz.
Referências
Bibliográficas:
1. BAKTHIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem.
São Paulo (SP): Editora Hucitec; 1992.
2. ......................... Estética da criação verbal, São Paulo(SP):
Editora Martins Fontes; 1997.
3. DOLZ, J. & SCNEUWLY, B. Gêneros e progressão em
expressão oral e escrita: elementos para reflexões sobre uma experiência suíça
(francófona). Enjeux. 31-49, Genebra, 1996. Tradução de Roxane H. R.
Rojo. Circulação restrita.
4. MACHADO, Irene. Literatura e redação. São
Paulo(SP): Scipione; 1994.
5. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. Primeiro e
Segundo ciclos do Ensino Fundamental. Língua Portuguesa. Brasília (DF):
MEC/SEF; 1997.
6. MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e
quarto ciclos do Ensino Fundamental. Língua Portuguesa. Brasília (DF):
MEC/SEF; 1998.
7. PASQUIER, A. & DOLZ, J. Um decálogo para
ensinar a escrever. Cultura y Educación 2: 31-41.
Madrid, Infancia y aprendizaje, 1996. Tradução
de Roxane H. R. Rojo. Circulação restrita.
8. SCNEUWLY, B. Gêneros
e tipos de discurso: considerações psicológicas e ontogenéticas. In: Reuter, Y.,
org. Les interactions lecture-écriture. Paris, Peter Lang, 1994. Tradução de Roxane H. R. Rojo. Circulação restrita
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